Venci as íngremes montanhas do Himalaia apenas para colher, à beira do abismo, a mais rara orquídea que um dia alguém ousou alcançar. Com o coração latejando de paixão, entreguei-a, como prova do meu mais abnegado amor.
Você disse que preferia marias-sem-vergonha.
Fui voando buscar, na Galáxia de Andrômeda, três estrelas cadentes para iluminar o seu jardim nas noites de lua minguante.
Você reclamou da poeira cósmica.
Malhei oito dias por semana, durante sete anos seguidos, para talhar um corpo à altura da sua beleza esculpida por mestres renascentistas. Transpirei sete mares até conseguir um abdominal perfeito com seis pares de gomos.
Você disse que preferia os números ímpares.
Vendi minha bicicleta, meu violão e minha coleção de selos. Foi pouco. Vendi um rim para traficantes de órgãos da costa meridional da Nigéria. E então mandei fabricar, por artesãos eslavos, a mais bela escova de madrepérola polinésia um dia já produzida, cravejada de rubis e diamantes, para você pentear seus lindos cabelos dourados.
Você despedaçou-a na parede e disse que preferia esmeraldas.
Subi de joelhos as escadas do Cristo Redentor, bebi de canudinho toda a água do Rio Amazonas e cruzei a nado borboleta o Oceano Pacífico em meio às piores tormentas. Fiz das tripas meu coração em trapos.
Você disse que eu não me esforçava o bastante.
Recitei Os Lusíadas de trás pra frente em mandarim. Convenci o Roberto Carlos a ir de terno marrom à porta da sua casa cantar “como é grande o meu amor por você”. Encontrei o Elvis Presley, vivo e morto de bêbado, num boteco decrépito no subúrbio de Itaquaquecetuba e fiz um dueto ébrio de “You are always on my mind” para homenagear você.
Você disse que eu era um saudosista sentimentaloide de gosto artístico deplorável.
E então desisti de rastejar na busca vã pelo seu amor inatingível. Sem violão, bicicleta, rim ou dignidade, recolhi-me à insignificância da minha pigmeia existência.
Um dia você reapareceu. Trazia na mão a escova de madrepérola remendada com durepox.Toda faceira, cheia de dengo, balançando em câmera lenta seus hipnotizantes cabelos dourados. Dizia que ninguém jamais dera provas suficientes de amor tão abnegado e que agora me queria como nunca para todo o sempre.
Ouvi tudo em reverente silêncio, enquanto me esforçava para não notar que do seu cabelo escorria poesia.
Num suspiro profundo, reuni todas as forças que ainda restavam no meu combalido corpo, e sussurrei na sua perfumada orelha as três palavras que meu coração expelia como lava incandescente:
– Vai à merda!