E se o dinheiro desse em árvore?

E se o dinheiro desse em árvore?

Tec tec tec tec… o repetitivo som das teclas chinesas não foi capaz de abafar seus pensamentos mais angustiantes. Que sanha infeliz passar cinco dias da semana trabalhando na frente daquele retângulo de 19 polegadas de cristal líquido, respirando a artificialidade gelada do ar que ressecava suas mucosas. Que bom seria se fosse milionária e não precisasse trabalhar.

Não adiantaram os apelos do Visconde em nome do Bom Senso. Emília estava convicta que poderia corrigir esse problema e criar um mundo perfeito. Nomeou-se Primeira Ministra Suprema da Economia do Reino de Faz de Conta. Soprou no ar um bom bocado de Pirlimpimpim e pimba: todo mundo rico.

Numa tacada só resolveu o problema da desigualdade. Cinco milhões para cada pessoa. Do jardineiro infiel ao gerente do supermercado, todo mundo milionário.

Emília estava orgulhosa de seu feito. Um problema milenar agora implacavelmente dizimado pelos farrapos coloridos de sua inquieta cachola.

– Basta da escassez monetária que nos faz trabalhar nas segundas geladas e nas sextas ensolarada nas masmorras corporativas do mundo !

Ligou a TV no seu telejornal predileto na esperança de assistir às manifestações de regozijo pela repentina pujança econômica planetária, mas estranhamente a TV estava fora do ar.

Ligou para o serviço de atendimento ao assinante, mas não havia ninguém para atender nem repetir chavões ensaiados no modo gerúndio.

Apelou para o Maurão, um mulato parrudo do tipo “faz tudo”, conserta cano entupido, reboca parede, consola viúva e instala ar condicionado.

– Oi Maurão, é a Emília. Estou precisando que você conserte a antena da minha TV.

– Sem chances, nou uei.

– Como assim, não pode vir hoje?

– Nem hoje nem nunca mais. Jamé. Tô rico Emília, cansei dessa vida de fazer bico.

– Mas quem vai resolver o meu problema Maurão?

– Sei lá, liga pra algum pé rapado, porque finalmente a pobreza saiu desse corpitcho sensual. Viva a fartura que a miséria ninguém atura!

– Puxa, você precisa me ajudar…

– Mas agora eu sou rico dona Emília. Já viu algum milionário se equilibrando em telhado de subúrbio pra consertar antena?

– Tudo bem, eu também estou rica. Quanto você quer para vir fazer esse serviço?

– 250 mil.

– 250 mil? É mais caro que o meu sítio, você ficou maluco?

– Maluco não, fiquei rico.

– Tem gente que é só ganhar um pouquinho mais que já fica se achando…

Desligou antes que proferisse palavras de baixo calão, o que não cairia bem para uma milionária de alto escalão.

Resolveu sair à cidade para procurar ajuda, comer alguma coisa e fazer as primeiras compras com os seus cinco milhões.

Para sua surpresa, nenhum estabelecimento aberto. Postos de gasolina, farmácias, padarias, boutiques, shoppings e supermercados. A cidade às moscas. Alçados à condição de milionários, nenhum funcionário se dispôs a ir trabalhar. Pra quê, quando se tem cinco milhões no bolso?

Começou a desconfiar que sua reforma econômica não tinha sido tão bem sucedida assim. Voltou a pé para o sítio, porque não havia táxis, ônibus ou onde abastecer o carro. No caminho, apenas a venda do seu Nacib funcionava, faturando alto com a nova clientela. Filas quilométricas se formavam para comprar refrigerantes a R$500 e salgadinhos a R$750.

Emília se viu condenada a realizar tarefas que jamais tinha pensado em fazer, porque ninguém se dispunha a trabalhar. Eram necessárias somas cada vez mais altas para contratar os serviços mais simples. A inflação subiu a níveis estratosféricos. Os novos milionários viram suas fortunas reduzidas a pó e as pessoas obrigadas a trabalhar como camponeses do século quarto, realizando atividades que há muito tinham esquecido que existiam.

Demorou pouco para que todos estivessem de volta à situação econômica de origem, com exceção do Nacib, que a essa altura já tinha se tornado um banqueiro bilionário e emprestava dinheiro a juros para sua clientela de ex-milionários.

As pessoas, resignadas, retomaram seus empregos de antes, e a vida voltou ao normal, organizadamente desigual em sua assimetria perfeita.

Restou-lhe renunciar ao cargo de Ministra Suprema da Economia do Reino de Faz de Conta.

Dedos lépidos no teclado e olhos grudados no monitor de cristal liquido, Emília se sentiu feliz de poder trabalhar apenas cinco dias por semana no conforto gelado do seu ar condicionado split. Tec tec tec tec tec…

–       Alô, dona Sílvia, liga por favor pro delivery e pede uma pizza de calabreza com catupiry aqui pra minha sala?

 

(Em homenagem a Monteiro Lobato)

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