Típica noite de sábado na praça pública da pequena cidade. Crianças alegres, saltitantes e ardidas se esbaldando nos balanços e se esfolando nos enferrujados escorregadores do antigo parquinho, absortas em seu mundo mágico. Bexigas vermelhas disputam com o algodão doce azul a luta pelo mesmo espaço aéreo. Carpas douradas seguem sua sina nadatória, alheias aos furtivos arremessos de pipoca que não lhe servem de dieta.
O chafariz não chafara nada, porque não é ano eleitoral e ninguém se dignou ainda a consertá-lo.
Em frente à Praça, do outro lado da rua, alguém tomba feito um pacote flácido e inicia um processo convulsivo, bem ao lado da sorveteria vazia. O episódio atrai uma pequena multidão de curiosos, passivos, pois o encardido maltrapilho não parece ser merecedor de sujar o banco do carro de ninguém.
Alguém chama o SAMU, a sorveteria lota.
O centro de gravidade da cidade muda radicalmente, atraído pelo magnetismo fatídico do sujeito desmaiado no calçadão atrapalhando o tráfego. O vendedor de bexigas, atento às mudanças de mercado, atravessa a rua e vai vender suas alegres bexigas coloridas para a multidão que se forma ao redor do infeliz. Pessoas se acotovelam para conseguir um espaço de visão privilegiado no meio da muvuca.
Para tristeza do dono da sorveteria, a ambulância chega em menos de 20 minutos, um recorde. Imobilizam o sujeito espumante. Os expectadores assistem a tudo atentos, como a um reality show sem telas. Uma quase morte passando ao vivo, sem cortes ou censura.
O sujeito entra na ambulância. A multidão se dispersa. A sorveteria esvazia.
Resta apenas um último curioso a observar o zig zag escandaloso da van vermelha, enquanto saboreia avidamente seu delicioso sorvete de framboesa.