Todos os dias, em algum lugar do mundo, uma borboleta baterá suas asas. Aliás, todos os dias todas as borboletas do mundo batem suas asas. Porque a borboleta não tem escolha, a borboleta nasceu pra borboletar.
Todos os dias, em todos os lugares do mundo, as pessoas fazem escolhas.
Pessoas não são borboletas, pessoas não são escravas dos instintos. Pessoas são a personificação da multitude criativa do universo. Pessoas podem ser tudo e nada ao mesmo tempo.
Há quem escolha lagartear ou borboletar por aí. Há aqueles que escolhem não fazer escolhas, que normalmente é a pior das escolhas. Há quem escolha sempre a mesma coisa, o que no longo prazo acaba se tornando uma não escolha, como o bater de asas compulsório de uma borboleta. Acordar, grunhir, escovar os dentes e vestir o mesmo sorriso amarelo de sempre.
Dizem que o bater de asas de uma borboleta é capaz de causar um tsunami no outro lado do mundo.
Mas todos dias de nossas vidas fazemos escolhas. Nossas escolhas são as asas de uma borboleta se chocando. Nos impressionamos com as grandes decisões que mudaram o curso da humanidade. Mas esquecemos dos tsunamis que as borboletas causam e do efeito que as pequenas decisões provocam na nossa vida.
É assim comigo, foi assim com meus antepassados, será assim com meus dois filhos. Meus filhos são a combinação única da loteria genética que fundiu meus cromossomos aos da mãe deles.
Numa noite de sábado qualquer de um mês de abril numa festa qualquer em que eu escolhi comparecer, eu escolhi virar à direita e ir ao banheiro, mas antevendo a fila que se avolumava no corredor eu bruscamente decidi virar à esquerda e trombei com uma adolescente de cabelos ondulados e olhos castanhos, que hoje é a minha mulher e mãe dos meus filhos.
O que teria acontecido se não houvesse fila no banheiro ou se eu não tivesse bruscamente batido minhas asas em direção oposta?
Todos os dias borboletas batem asas. Todos os dias pessoas perdem voos e pessoas embarcam de última hora em voos que não eram os seus. Inclusive nos voos que caem.
Contava ainda vinte e poucos quando pedi demissão de um emprego concursado num banco estatal, onde ganhava mais do que precisava, tinha estabilidade e um futuro promissor. Fui tachado de doido, e até hoje me perguntam se me arrependo da opção.
Penso que tomei a decisão certa, mas admito que durante alguns anos pareceu uma escolha estapafúrdia. O fato é que é impossível saber. Precisamos carregar a incerteza dessas decisões. Não temos duas realidades correndo em paralelo para comparar depois de alguns anos e então voltar no tempo e optar por aquela que produziu melhores resultados.
Jamais saberemos o que teria acontecido se tivéssemos seguido pelo caminho A ao invés de B. Ou vice versa.
Nossa vida é o resultado de uma equação imponderável, em que se misturam nossas escolhas, o contexto e uma dose de acaso. O que teria acontecido se naquele sábado você tivesse virado à esquerda e não à direita? Teria sido atropelado ou trombado com o amor de sua vida?
Relaxe, você jamais saberá.
Toda decisão carrega em si o peso incalculável da renúncia. Decidir por A quase invariavelmente significa renunciar a B, e precisamos suportar esse fardo existencial sobre nossos lombos arquejados.
E se eu tivesse feito Psicologia? E se tivesse mudado de cidade? E se tivesse permanecido naquele emprego? E se tivesse dito sim? E se tivesse dito não? E se eu fosse músico ao invés de engenheiro? Seria menos rico? Mais feliz? Viveria melhor? Mais uma hora de sono ou mais uma hora extra? Mais uma promoção ou menos uma úlcera? Encontraria o que nem sei que procuro ou me perderia pelo caminho?
Trancar-se na segurança de sua masmorra ou dançar em êxtase à beira do abismo?
Há momentos em que parece que a vida não basta. Nesses horas, dá vontade de rasgar das paredes opressoras da realidade uma dimensão adicional e viver um universo paralelo, no qual possamos aplacar a angústia de tantas renúncias e dúvidas, tal qual crianças que vivem a fantasia do impossível porque nenhum adulto deu-se ao trabalho de explicar a ditadura do possível.
Temos que passar pela vida carregando o fardo de nossas escolhas, com todas as recompensa e prejuízos que isso traz.
Condenados a borboletar por aí ostentando cicatrizes como gloriosos troféus de guerra, fantasmas que arrastam madrugada adentro as correntes de suas escolhas, felizes, infelizes ou incertas.
Viver é uma aventura incrivelmente incerta, e por isso mesmo, tremendamente bela.
Pelo menos sempre nos restará o poder das escolhas e a beleza imponderável do bater de asas de todas as borboletas.
Porque o pior de todos os tsunamis é não poder escolher.