Sexo frágil

shutterstock_156849845Era uma ideia recorrente que possuía, mas que começou a ganhar contornos de obsessão por volta da adolescência, quando o excesso de testosterona faz os meninos pensarem com outra cabeça as coisas da vida.

Não era o mais estudioso da sala, mas conhecia a sabedoria da natureza na composição de suas leis, na simetria das coisas cotidianas, e no equilíbrio vital das regras que regem todos os fenômenos.

Assim, os planetas seguem obedientemente sua órbita pré-determinada, milhões de anos a fio; o sol não se atrasa nem nos dias de ressaca braba e queimação estomacal; nunca houve relato de que algum elétron tenha dado uma paradinha para descansar de sua monótona órbita atômica; e a mãe natureza produz, misteriosa e milagrosamente, um número de bebês do sexo masculino virtualmente idêntico ao do sexo feminino, ainda que as mulheres não parem de reclamar que está faltando homem na praça. Talvez estejam procurando no lugar errado. Pois se falta homem na praça, tem-se tropeçado neles nos botecos e estádios de futebol.

Mas não entendia como, num mundo tão regulado pelo equilíbrio, tão simetricamente ordenado, que numa área particular houvesse tamanho desequilíbrio entre oferta e demanda.

Por que o desejo sexual de meninos e meninas parecia tão brutal e injustamente desnivelado? Onde estava a mãe natureza para regular essa assimetria perversa? Por que tamanha descarga hormonal masculina não vinha acompanhada de algum nível equivalente de liberalidade nas colegas de cromossomos XX? Qual a lógica de tamanho desarranjo?

Como ninguém é perfeito, concluiu que a natureza por certo também não o era, e que essa era uma falha grave que merecia correção urgente. Uma reforma parcial da natureza, digamos assim.

Levou o assunto ao Zuza, seu melhor amigo, que também partilhava das mesmas angústias existenciais.

– A gente precisa fazer alguma coisa. É uma sacanagem isso…

– Não, sacanagem é que não tem sido.

– Eu tive uma idéia, disse ele.

E então expôs sua brilhante idéia. De jerico, como poderia se supor.

– Li n’algum lugar que tem uma erva medicinal que deixa as mulheres loucas de tesão, vende naquela barraca esquisita do mercado velho.

– Cê ta louco? E como vamos convencer as meninas a tomar isso?

– Tenho um plano melhor ainda.

E então discorreu nova idéia de jerico, essa ainda pior.

– Vamos ferver a erva e despejar no reservatório de água da cidade.

– Sei não… Tá com cara de que isso vai dar merda.

– Tem plano melhor? Se não tem, confia em mim.

E então, durante uma semana, prepararam-se com afinco para execução do intrépido plano, convidando outros amigos para ajudar na ousada empreitada.

Na madrugada fria de uma quinta-feira, lá estava o grupo de imberbes, com camionetes, fuscas, bicicletas, baldes e mangueiras, em sua saga assanhada por um mundo mais justo.

Diluíram um concentrado de chá da erva afrodisíaca no reservatório que abastecia filtros, bebedouros e torneiras de toda a pequena cidade, e sumiram em disparada, num misto de excitação e medo. Agora era esperar pelos resultados.

As primeiras horas da manhã foram decepcionantes. Nada que denotasse algo diferente na embolorada rotina da pacata cidade.

Os primeiros sinais de mudança começaram a se evidenciar quando Dona Joana, a recatada e beata telefonista da firma, deu um beliscão na bunda do office boy quando este voltava do almoço.

Logo as suspeitas viraram certezas. Os funcionários começaram a se pegar nos corredores, os banheiros lotaram, de pessoas e gemidos. Os telefones das lojas esgoelavam inutilmente, tamanho era o déficit de mãos e bocas.

Em súbita transformação, para alegria dos rapazes, as mulheres viraram rainhas da selva, predadoras devoravando o que ousasse aparecer pelo caminho.

Assim foram os primeiros dias. Uma fuzarca de envergonhar o Deus Baco. Libidos libertas. A festa dos hormônios, a liberação geral e indiscriminada do amor livre. Os homens, tão ocupados que estavam em aproveitar as inéditas oportunidades, sequer notavam a suspeitíssima ausência de suas companheiras do convívio do lar.

Desconhecidos se encontravam na rua e sorriam um riso cúmplice de canto de boca, como se partilhassem um segredo escuso, desses que não se fala a ninguém, embora todos de alguma forma já saibam.

Acordaram o monstro adormecido.

Dona Marilda, viúva convicta há mais de uma década, declarou fim do luto oficial com o entregador de gás, que fugiu assustado assim que acabou o próprio.

A Fatinha… bom, a Fatinha continuou dando adoidado tal como antes, já que não teria como ficar pior.

Até Zoraide, a mal amada do sobrado verde, que sofria de chatice mórbida, bom, essa continuou mal amada do mesmo jeito, porque só tomava coca-cola.

Mulheres de todos os tipos, biotipos, classes sociais e religiões, entregues de corpo e alma, o primeiro principalmente, à lânguida missão de copular como se não houvesse amanhã.

Lá pelo terceiro dia de balbúrdia, o número de destemidos voluntários começou a declinar. Os indícios da maratona sexual começavam a se evidenciar sob o semblante abatido dos combalidos soldados de alcova.

Ao cabo de uma semana, a simetria perfeita dos primeiros dias começava a se inverter de maneira dramática. Mulheres incansáveis brigavam por um número cada vez menor de homens, que assustados ante o assédio tão incomum quanto incansável começavam a se recolher à insignificância de sua flácida pequenez.

Catuaba, ginseng, pílulas azuis, pó de guaraná,chá de folha de trepadeira, nada mais parecia ser capaz de dar conta do irrefreável ímpeto feminino.

Surgiu o primeiro comitê masculino de combate à desordem social e sexual, a Cúpula contra a Cópula:

– Precisamos restaurar o equilíbrio e a decência da sociedade! Onde o mundo vai parar? Falou Robertinho, moralista recém convertido, extenuado após três dias de maratona sexual com duas goleiras do time de handebol da cidade.

Resolveram cortar o mau pela raiz. Mandaram vigiar o reservatório de água com seguranças armados, para garantir que nenhum infeliz pudesse jamais contaminar a água com a amaldiçoada erva afrodisíaca.

Mas era tarde demais. As mulheres agora andavam com pastilhas concentradas do milagroso produto, já disponíveis nos sabores menta e laranja, que tomavam em doses diárias. O estrago estava feito.

E se era difícil atender a demanda com oferta farta, agora que fartava candidatos, a voracidade com que as mulheres abordavam os homens estava no limiar do insuportável.

Depois de 15 dias de liberação sexual feminina, o exército masculino estava rigorosamente dizimado. A inexorável falibilidade fálica reduzida à sua pequenez existencial. Flácidos trapos humanos destroçados pela fúria feminina.

A essa altura, Julinho já estava mais do que convicto do fracasso de sua reforma parcial da natureza, e da natureza energúmena que sempre caracterizou as idéias do amigo Zuza.

Assustado, direcionava suas últimas energias para fugir de um frenético exército de mulheres. Loiras, morenas, negras, ruivas, altas, baixas, magras, gordas. Corria como se fosse o último queniano na São Silvestre, quando o pelotão feminino finalmente o alcançou…

Em pânico, começou a se debater freneticamente, tentando escapar daquele turbilhão de flores carnívoras.

– Me larguem, socooorro…

– Para com isso Júlio, tou dormindo… hoje não, estou com muita dor de cabeça… disse sua mulher, receosa de que o marido tivesse tido uma extemporânea e inconveniente animação no meio da madrugada.

Foi quando percebeu, aliviado, que tudo não passara de um sonhadelo.

Virou para o lado e então dormiu, profundamente, o sono dos castos.

 

 

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A ideia deste conto surgiu ha muito tempo, quando eu, ainda adolescente, folheava uma velha revista Nova enquanto aguardava o dentista. Não por acaso decidi manter uma ambientacão um pouco juvenil.

Numa daquelas seções de cartas, um sexologo respondia a uma leitora angustiada com o desejo desproporcional do namorado, e  e algum momento o sexólogo respondeu algo que nunca esqueci, ele dizia que se por alguma razão qualquer as mulheres resolvessem  se liberar, ao cabo de algumas semanas os homens fugiriam todos, seja por medo ou por estafa.

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