Ao longo dos anos, minhas retinas cansadas foram catalogando uma infinidade de seres folclóricos, inusitados, histriônicos, fora da curva. Quase toda cidade tem pelo menos um ou dois tipos do genero.
Conheci um andarilho (porque “mendigo” seria um termo incompatível com o esmero do seu style), que a população apelidou de Xóia (porque cumprimentava todo mundo como “Jóia”, mas num sotaque carioca bastante arastado, no qual o J soava quase como CH), uma figura excêntrica, parecida com um astro decadente dos anos 70. Sempre de jaquetão (mesmo quando o sol fritava cérebros), medalhão desbotado e correntes sem vergonha que pendiam de seu peito esquálido. Um astro do rock sem teto. Era como se o Jimi Hendrix tivesse ficado congelado desde 1970, e ressuscitasse aqui no Brasil, pedindo moedas para sobreviver.
Conheço também um senhor que faz da própria casa um templo de adoração aos clubes de futebol que torce. O time que cultua hoje é o Barcelona. Digo que cultua hoje, porque até uns anos atrás a adoração era ao São Paulo Futebol Clube. Mas com os resultados medíocres do time nos últimos anos, deve ter resolvido adorar uma agremiação mais vencedora. O ritual é impressionante. O velhinho consegue pendurar duas bandeiras gigantes na fachada da casa (daquelas que se destacam até mesmo em transmissões de TV), enfeites, banners enormes de Messi e Neymar, faixas e cartazes. Nem o estádio do Barcelona é tão enfeitado quanto aquela pequena fachada. E não é só. Ele se veste inteirnho como jogador de futebol, e fica em sua cadeira de balanço na calçada, vendo o movimento passar, com duas caixas de som em plena rua esgoleandro o hino do clube. Quase uma atração turística.
Conheci também um outro ser, possivelmente com algum parafuso a menos, que perambulava pelas ruas da cidade vestido de juiz de futebol, e escolhia pessoas arbitrariamente (sem trocadilhos), para expulsar ou punir com cartões amarelos e vermelhos. Sempre tive vontade de perguntar quais os critérios das expulsões, mas como temia a humilhação de ser expulso em plena praça pública, nunca ousei cruzar seu caminho. Mas me diverti muito com suas expulsões enérgicas, como se tivesse apitando a final do Barcelona contra o Real Madrid em pleno Camp Nou.
Há mais exemplos, claro, mas me limito a esses por ora.
Bem sabemos, a vida é feita, de verdade, pelo exército invisível de pessoas comuns, milhões de formigas em marcha incansável na labuta do dia a dia. E há extraordinária beleza no ordinário, nas coisas comuns, na familiaridade do cotidiano.
Mas o que foge ao ordinário, ao comum, costuma dar um colorido todo especial a fauna humana. Folclóricos, mas demasiadamente humanos.