Quando eu era criança o ano 2000 parecia uma coisa cabalística, um ponto de virada nos rumos da humanidade, talvez por aquela fileira quase mística de três zeros sequenciais, talvez pelos filmes de ficção que turbinaram a imaginação das gerações anteriores, talvez pelas intermináveis teorias do fim do mundo. O mundo não acabou em 2000, nem em 2012, nem em 2017. O mundo não acaba e teorias do fim do mundo também não.
Nos anos 70 e 80, que é onde minha infância se abrigou, o ano 2000 parecia um futuro longínquo, cheio de carros voadores e viagens ao espaço. Talvez com uma terceira guerra mundial também. Eu me imaginava um senhor sisudo, de barba negra espessa e vários filhos a tiracolo.
O futuro não foi como era antigamente. 2000 chegou mais rápido do que eu imaginava, e chegou sem carros voadores (pelo contrário, com os congestionamentos se transformaram em carros estacionários), sem viagens ao espaço e (felizmente) sem uma terceira guerra mundial.
Também errei profundamente na projeção do meu próprio eu. Meu primeiro filho chegou apenas uma década depois do ano 2000, nunca tive barba espessa, e se um dia tiver jamais será negra, porque meus cabelos estão cada dia mais grisalhos.
A visão que temos do mundo e da gente mesmo depende do tempo e do ponto onde estamos. Lembro que por volta dos meus 25 anos perguntei a idade de um colega de trabalho e quando ele disse “-31!” aquela cifra reverberou na minha cachola como um veredito de velhice.
– Nossa, como o Sérgio é velho!
Hoje eu tenho 46, sei que jovem não mais sou, mas tenho certeza que estou muito longe de ser velho. Há mais rugas no rosto que nunca primou pela harmonia dos traços, percebo nas coisas mais comezinhas a agilidade física lentamente me abandonando, o cabelo perde a cor sem me pedir licença, as obsessivas leituras só acontecem com o auxílio de olhos auxiliares e as meninas do Leblon olham ainda menos para mim. Mas sinto que estou com o raciocínio mais afiado, que apesar das pequenas perdas físicas o vigor ainda é muito alto, a saúde está perfeita e, principalmente, me sinto muito mais equilibrado para enfrentar com serenidade a montanha russa de emoções, vitórias e derrotas que é a vida de cada um.
Hoje li uma pesquisa feita em nível nacional que diz que na média o brasileiro “acha” que deixa de ser jovem aos 37 anos e fica velho aos 64. Interessante, mas a média é sempre uma média. Quem atravessa um rio com média de um metro morre afogado se não souber nadar. Quem tem 64 muito provavelmente acha que velho é quem tem 80, e quem tem 37 acha que a juventude nunca acabará. E no fundo todos têm razão. Não existe uma régua para medir esse turbilhão de diferenças que é o ser humano.
Talvez no futuro a gente descubra que não existe velho nem jovem, existem apenas pessoas, seres humanos, cheios de contradições, defeitos e qualidades, únicos em sua infinita individualidade e que não podem ser encapsulados em rótulos ou etiquetas cronológicas.
E no futuro em que finalmente não houver jovem ou velho, talvez finalmente haja carros voadores e turismo espacial e não haja mais guerras nem vislumbre delas.
E o fim do mundo será apenas uma obra de ficção científica que veremos num cinema holográfico com nossos filhos, enquanto comemos pipoca feita com milho criptônico plantado numa galáxia vizinha.