Reza a lenda familiar que eu teria vivido um pedaço da minha tenra infância no Rio de Janeiro. Se o foi, é fato que não lembro. Aliás, ando esquecendo até mesmo o que comi no jantar da véspera, de tal modo que seria demasiado otimista reverberar lembranças desse período longínquo.
Mas lembro bem de minha primeira visita ao Rio, lá pelo sete anos de idade. Talvez porque aquela viagem tenha marcado a tomada de consciência de um monte de “primeiras vezes”. Coisas que já tinha feito antes, mas sem muita consciência. A primeira viagem de avião (uma aeronave da extinta Transbrasil, com extravagantes poltronas de estampas alaranjadas), a primeira vez que senti um frisson um pouco mais reconhecível por uma garota (uma carioquinha angelical de fartos cabelos dourados que não sei mais por que surgiu naquela viagem, inaugurando em grande estilo minha extensa coleção de amores platônicos), o primeiro strogonoff da minha vida na casa do primo Jurandir (o prato virara moda no Brasil no final dos anos setenta), e, principalmente, meu primeiro contato consciente com a cidade maravilhosa.
Lembro que fiquei embasbacado com aquela conjugação apoteótica de mar, montanha e floresta. Aqueles rochedos dramaticamente se precipitando sobre carros, pessoas, prédios e ondas. Todas aquelas curvas sinuosas das encostas, das garotas e dos grafismos das calçadas de Copacabana.
Foi a primeira vez que percebi a existência de uma ordem estética no mundo, como se tudo fosse parte de um planejamento maior, peças de um quebra cabeças caprichosamente montado pela natureza, esculpido com a força paciente do tempo.
Meus tios moravam num apartamento na Rua Marquês de Olinda, e eu freqüentava a praia de Botafogo que ficava a poucos quarteirões do apartamento, com o Pão de Açúcar de caprichosamente instalado à frente. Beleza em doses pantagruélicas. E a praia nem era poluída ainda.
Eu era apenas um garoto de sete anos de idade, mas aquela viagem equivaleu a um curso de pós graduação em arte e poesia.
E é por isso que até hoje, quando caminho pelas ruas bagunçadas do Rio, mesmo com toda a sua soma de problemas inconfundíveis, ainda sinto a poesia do Vinícius e a bossa do Jobim flutuando no ar, e o vento que vaga do Atlântico sopra uma felicidade pueril e sem razão, que me faz reviver aquele menino ingênuo de sete anos de idade perambulando embasbacado, sem saber o que tudo aquilo significava.
O Rio de Janeiro é o purgatório da beleza e do caos, mas pra mim, continua lindo.