A pergunta pode parecer despropositada, herege ou sensacionalista, mas é o que propõe um novo reality show criado pelo grupo espanhol Secuoya, que foi selecionado recentemente na mais importante feira de televisão e cinema do mundo, a Mipcom, que acontece anualmente em Cannes, na França.
Isso significa que num futuro breve poderemos assistir a uma nova espécie de Big Brother, na qual os intrépidos participantes invadirão sua telinha dispostos a vender a alma para qualquer telespectador que quiser comprá-la.
O programa, que se chamará Soul Out, propõe que os participantes vendam a alma em troca de algo que anseiem muito obter, como um carro esportivo, férias numa praia paradisíaca ou um encontro com seu artista preferido. Quem comprará a alma desses participantes serão os telespectadores, que através de um aplicativo de celular ou computador poderão fazer doações para que o sonho se concretize. Em troca disso, os participantes deverão realizar tarefas que denotem esforço, superação e renúncia.
A premissa do programa é que para realizar os sonhos de suas vidas os participantes estariam dispostos a qualquer coisa, o que inclui vender a própria alma. E quem compra a alma desse participante poderia exigir qualquer tipo de contrapartida, ainda que não fique muito claro até onde pode se estender esse cipoal de exigências.
Raul Berdonés, presidente do grupo televisivo Secuoya, tenta explicar a novidade:
“Nosso maior desafio era trabalhar com um conceito tão abstrato quanto a alma. Nossa obsessão foi converter o mito de Fausto em um reality onde tanto os participantes quanto a audiência tenham a sensação de estar perdendo ou comprando algo: a alma. Queríamos também nos despojar de qualquer conotação religiosa, literária ou mefistotélica. Aqui o participante vende e o telespectador compra. Simples assim. O programa é uma mera ferramenta para que o participante possa alcançar seu objetivo”.
Não me convenceu. Muito lero lero pra pouco conteúdo. Parece aqueles discursos empolados do Pedro Bial no BBB com pretensões metafisolóficas, filés empanados de vento com cobertura de asneira ralada.
No fundo, apenas mais uma tentativa esperta de industrializar qualquer coisa que gere polêmica, publicidade e dinheiro.
No início dessa febre idiota dos realities, admito que até achei interessante o formato do pioneiro “No limite”, uma espécie de experimento sociológico eletrônico, para ver como as pessoas se comportariam sob circunstâncias extremas. Mas o formato se desgastou, descambou para experiências esdrúxulas de mau gosto explícito (como instigar os famélicos participantes a comer olho de cabra) e para variantes bregas e acéfalas, como as casas ou fazendas com artistas e os BBB’s da vida.
Todo mundo quer mesmo dar uma espiadinha na vida do outro, seja no Facebook ou no BBB? De onde vem e pra onde vai esse culto idiota ao bisbilhotismo? Que tal bisbilhotar bibliotecas, enciclopédias e dar uma melhorada na própria capacidade intelectual que anda pra lá de rasteira?
Seja como for, embora não concorde com o absolutismo da frase, dizem que todo homem tem seu preço. Aliás, parece que algumas mulheres também.
Pra quem não lembra, em 2012, a brasileira Catarina Migliorini foi notícia em todo o mundo quando resolveu leiloar a própria virgindade. Pois é. Segundo consta, um japonês de 53 anos venceu o leilão, com o inacreditável lance de 780.000 dólares. Só que a moça teria sido rude e insensível com o pobre bilionário nipônico no jantar do primeiro encontro, e o abastado (mas nada abestado) samurai desistiu de consumir o sushi da moça, sustando o cheque repleto de zeros. Depois disso, a maluquete ainda posou para a Playboy e colocou a virgindade novamente a leilão. Começou pedindo um milhão e meio, dizem que depois estava aceitando 100 mil. Não sei no que deu (ou não deu), mas uma hora fatalmente encontrará seu merecido preço.
O fato é que já estamos vendendo quase tudo.
Em 2012, Wang, um adolescente chinês da paupérrima província de Anhui, vendeu o próprio rim para comprar um Ipad e um Iphone. É que a miséria às vezes não se contenta em extirpar apenas a dignidade de alguns seres humanos. Tem que extirpar os rins também.
Mas qual o limite? Até onde podemos ir nesse reality show de horrores?
Já vendemos nosso tempo. Nosso corpo. Nossa dignidade. Nossos rins. Nesse ritmo, vender a própria alma parece apenas o desfecho inevitável dessa triste jornada rumo ao abismo de nós mesmos.