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Quantas estrelas você vale?

– Obrigado Sr. Alexandre, espero que tenha uma ótima reunião. Ah, e por favor, não se esqueça de me avaliar no aplicativo.

Assim se despediu Osmar, o simpático motorista que me conduziu até o local da reunião.

Avaliei-o com cinco estrelas, como quase invariavelmente faço, se não pela excelência do serviço, ao menos pela inexistência de problemas que me fizessem subtrair estrelas do coitado. Já basta o aplicativo que subtrai 25% de suas receitas, a dureza da vida e o preço da gasolina.

Sou de uma época em que apenas os hotéis eram avaliados por estrelas.

Agora os hotéis não têm mais as estrelas oficiais que a Embratur chancelava, mas são avaliados por um auditor ainda mais rigoroso: os próprios hóspedes. O hotel pode colocar na fachada todas as estrelas de todas as constelações de todas as galáxias, mas o que o consumidor está mesmo interessado é nas avaliações dos próprios usuários, em sites de reservas ou de avaliações de hospedagem, como é o caso do mundialmente famoso TripAdvisor.

Os hotéis continuam contratando fotógrafos profissionais, que munidos de suas lentes grande angulares e de seus filtros de Photoshop conseguem a mágica de tornar bonito o mais feio dos quartos. Mas a maioria dos consumidores vai mesmo é bisbilhotar as fotos amadoras, tiradas pelos próprios hóspedes, onde o foco está na cortina rasgada, no azulejo encardido e no mamão com cara de passado na mesa do café da manhã.

Em 2013 foi lançado um aplicativo polêmico, que chegou a ser proibido pela justiça por algum tempo, chamado Lulu, uma espécie de rede social onde as mulheres poderiam atribuir notas aos homens, baseadas sabe-se lá em quais critérios.

Os homens criticaram a futilidade da plataforma, esquecendo-se que o Facebook surgiu originalmente como um site para avaliar quais garotas da faculdade seriam as mais sensuais.

Já estamos avaliando hotéis, companhias aéreas, restaurantes, motoristas de carro, filmes, automóveis, jogos. Até onde iremos? O que podemos extrair de bom ou ruim nesse tipo de ideia?

Já há pessoas advogando a ideia de que servidores públicos, sobretudo aqueles que atendem diretamente a população, como médicos e enfermeiros, deveriam estar submetidos ao escrutínio público.

Como seriam avaliados os profissionais que atendem a população brasileira? Há base legal para isso? E se houver, é possível criar mecanismos de incentivo positivo, premiando aqueles que prestam um serviço exemplar, mesmo a despeito das eventuais deficiências estruturais que possam enfrentar?

E por que não avaliar os serviços privados, assim como já o são restaurantes, motoristas de Uber e hotéis?

E se perdermos a mão e todos estivermos sujeitos a uma lista pública de avaliação de nossos desempenhos como cidadãos, profissionais, amigos ou amantes?

E se um Estado distópico utilizar essas informações (que são baseadas numa percepção subjetiva dos outros, e não necessariamente lastreadas na realidade objetiva dos fatos) para impor sanções, punir ou impedir o exercício de direitos, como votar, tirar passaporte ou concorrer a cargos públicos?

E se as empresas, num mundo com avaliação universal pública, passarem a utilizar esses rankings para contratar seus funcionários?

Valeria a pena implantar uma meritocracia digital, onde a “qualidade média” das empresas e indivíduos (seja lá como se meça isso) seria impulsionada pela pressão do perpétuo escrutínio público ou viveríamos num opressivo filme de terror a la Kakfa, onde aqueles que não se enquadrarem nos moldes do politicamente correto formariam uma legião de excluídos do sistema?

Não sei e ninguém sabe, e devo admitir que a ideia de um escrutínio público universal soa um bocado desconfortável, mesmo que já faça alguns anos que eu não entre num hotel sem antes ver a avaliação dos usuários que já se hospedaram nele.

Deve ser por isso que o Osmar e todos os seus companheiros de volante sentem um alívio toda vez que o aplicativo envia a redentora mensagem de mais uma nota cinco estrelas.

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