Apesar de não escapar de alguma oposição, é fato quase incontroverso que nossa espécie, Homo Sapiens, surgiu no continente africano. Controverso mesmo é apenas o local do continente em que essa população se originou, se no Leste, no Sul, ou espalhada por toda a região.
Em resumo, neo zelandeses, russos, chineses, mexicanos ou suecos, todos temos enterradas nossas raízes ancestrais no continente africano.
Apesar de ter sido o berço geográfico da nossa variante “Sábia” (Sapiens) o continente africano é de longe o menos desenvolvido do planeta. O nível de violência é alarmante, epidemias de toda espécie dizimam vidas no atacado, a expectativa de vida é das menores do mundo, o analfabetismo enorme e os índices de corrupção (até onde é possível saber) conseguem a proeza de superar o dos brasileiros. A África do Sul é um dos países melhor resolvidos do continente, o que não impede de ostentar uma mácula vergonhosa e injustificável: é a capital mundial do estupro. Estima-se que um terço de todas as mulheres serão estupradas em algum momento de suas vidas, e um terço dos homens será protagonista desse ato de barbárie.
Se nossa variante sábia surgiu nos confins da África há cerca de 200 mil anos, há cinco mil anos o povo Egípcio dava mostras do que o gênio humano era capaz de produzir: obras de arte, agricultura, cosméticos, medicina, técnicas bélicas avançadas e uma sofisticada construção mitológica. E, claro, pirâmides monumentais, algumas com mais de 140 metros de altura. O termo “obra faraônica” tem origem nessa mania de construções grandiosas.
Alguns milênios depois, o país trocou o protagonismo do passado por formas variadas de subdesenvolvimento e atraso: governos totalitários, sectarismo religioso, opressão e miséria. Parte da receita do país ainda vem das colossais estruturas construídas por seus faraós há mais de 3000 anos, mas o país não é nem sombra do que foi no passado. E mesmo o turismo vem sofrendo com a miséria, terrorismo e sensação de insegurança.
É quase impossível chegar a uma conclusão inequívoca da razão pela qual países ou regiões se saem melhor ou pior, sobretudo se o horizonte do olhar for mais recente. Podemos até dizer que ascensão e queda são gêmeas siamesas, separadas apenas pelo sopro do tempo, mas isso é no máximo uma meia verdade. Roma e Inglaterra não ostentam mais o império de seus tempos áureos, mas ainda são locais bastante interessantes para viver. A Europa, aliás, parece ser um dos locais do globo que consegue a mágica de conjugar alguma pujança econômica, algum esplendor cultural e algum nível de equilíbrio social, só não se sabe por quanto tempo. Qualquer observador mais atento é capaz de perceber sinais de uma decadência discreta que tenta se aninhar nos seus salões com lustres de cristal.
Isto posto, vamos ao que interessa: e o Brasil? Por que estamos sempre nessa montanha russa de extremo mau gosto? Uma hora incensados como a nova terra prometida, o novo milagre econômico, e sem menos perceber voltamos a ser o eterno vira latas, o país da violência, do crime, da crise, do desemprego, da corrupção, da lama e das tragédias?
Porque o país do futuro é uma profecia que nunca se cumpre?
Culpar os políticos parece uma boa aposta, mas não de todo redentória, já que é a população que os elege e a classe política não foi importada de Marte, Vênus ou de alguma galáxia distante. São extraídos da própria sociedade brasileira: são advogados, médicos, professores, sindicalistas, artistas, esportistas, líderes estudantis, representantes de bairros, funcionários públicos, juízes, representantes religiosos, empresários e excêntricos de todo tipo.
Somos nós no espelho, por mais medonho que seja o reflexo do que vemos.
Poderíamos nos comparar com nações que deram ainda mais errado, como a Venezuela ou antigas colônias portuguesas da África, mas nada mais seria do que um covarde exercício de auto consolo.
Poderíamos também nos comparar com países que estão dando certo a despeito das dificuldades enfrentadas. Israel, por exemplo, é um país pequeno que pensa grande. Tem um território minúsculo, semi desértico, onde falta até água potável, vive em pé de guerra com vizinhos como Síria e Líbano, não é unanimemente reconhecido como detentor legítimo das terras que ocupa, mas é um dos países mais prósperos da região e do mundo, possui um nível educacional invejável, ganhou uma baciada de prêmios Nobel, possui mais empresas inovadoras de tecnologia (em termos proporcionais) do que os Estados Unidos e, pasmem, é um país muito mais seguro do que o Brasil. Os mísseis que recebe são todos interceptados em suas fronteiras, ao contrário do brasileiro que não consegue escapar da violência diária a que é submetido.
Sim, é um contexto histórico, geográfico e cultural muito distante do Brasil, como a Coreia do Sul, que nos anos 80 ostentava indicadores sociais tão insatisfatórios quanto o Brasil , e que hoje é uma nação pujante, moderna, inovadora e que enche nossas estradas com carros Hyundai e a palma de nossas mãos com celulares Samsumg.
Continuaria não sendo uma comparação perfeita, sempre encontraremos senões para impedir uma comparação direta, mas vale pensar: por que alguns países dão errado com tudo para dar certo e outros tantos dão certo com tudo para dar errado?
Algumas pistas parecem confiáveis, como investimento em Educação, maior coesão social (países menores possuem uma facilidade maior de obter essa coesão), instituições sólidas, cultura de trabalho, planejamento estratégico e um olhar para o longo prazo, mesmo que exijam sacrifícios maiores a curto prazo.
Cada país ter sua receita própria de sucesso ou de tragédia e é impossível importar qualquer uma delas sem ajustes, mas o fundamental é perceber que nenhum país está inexoravelmente condenado a nenhum enredo.
O Egito ergueu pirâmides numa época de ouro em que era protagonista de grandes descobertas e cinco mil anos depois egípcios pobres imploram esmolas a turistas que fotografam as ruínas do que sobrou desse império.
Ao mesmo tempo, países asiáticos que fizeram a lição de casa estão fazendo surgir arranhas céus modernos onde havia palafitas sem esgoto. E Paraguai, Colômbia e Peru, ainda pobres e desiguais, estão se saindo um bocado melhor do que o Brasil nos últimos anos.
E o Brasil, o que pode aprender com os erros e acertos que a História nos conta?
Somos o que merecemos ser? E mais importante: como seremos o que queremos ser?
Alexandre Correa Lima é professor da FGV, escritor e palestrante corporativo. Conheça mais sobre seu trabalho no YouTube, Facebook, Linkedin e Instagram.