O melão até entalou na garganta, após eu ler a insólita manchete no jornal de domingo. ‘Escolas de São Paulo investem na criação de super-bebês’. Como assim? Mas que m3#$%&d4 é essa?
A matéria fala do surgimento de um novo conceito de escola para bebês, onde os pequenos são educados num ambiente bilíngüe, no qual as crianças possuem uma série de atividades programadas para estimular o raciocínio, a coordenação motora e principalmente a tomada de decisões, segundo a psicóloga de Harvard que idealizou o inovador programa. As professoras geram relatórios diários e detalhados do desenvolvimento de cada aluno. Tudo digno das melhores práticas de gestão das melhores empresas. Seu bebê agora, ao invés de assistir Pedrita e Bambam vai aprender com Peter Drucker e Kanban.
– Nesta semana os indicadores de performance do João Pedro foram excelentes, parabéns. Acho que conseguirá bater todas as metas antes do primeiro dente de leite!
– Infelizmente a Maria Eduarda não atingiu o desempenho esperado. Estamos achando-a um pouco imatura. Iremos estabelecer um plano de desenvolvimento para redimensionamento de suas potencialidades.
Sou pai de um menino de 2 anos de idade (com um irmão a caminho), e sei dos incontáveis desafios de educar uma criança, de inculcar valores e das angústias inerentes a essa árdua e também gratificante missão. E vejo que individualmente, no afã de prepararmos as crianças para o mundo, temos esquecido coletivamente de preparar o mundo para as crianças. Crianças cada vez mais aptas para um mundo cada vez mais inóspito.
Percebo a competição velada nos inocentes encontros fortuitos no corredor do Jardim da Infância:
– O Bruninho já sabe contar até 10!
– A Ana Clara começou a falar antes dos 9 meses!
– O Miguel já tem mais de 1 metro de altura.
– E o meu filho já tem 3 centímetros de pinto! Mais um pouco e ultrapassa o pai.
Não sei até que ponto essa obsessão com a preparação das crianças reflete uma culpa inconfessa pela ausência cada vez maior dos pais no convívio dos pequenos, uma conseqüência dos agitados tempos em que vivemos e da ênfase na construção da carreira profissional, com tudo o que isso trás de positivo (conforto material) e de negativo (desconforto psicológico). Competimos num mercado devorador de almas e queremos criar nossos descendentes fortes o bastante para enfrentá-lo. O império do pragmatismo. Mas é preciso tomar muito cuidado para não transpor os nossos sonhos e frustrações para os filhos. Terceirização é boa para as empresas, não para as crianças. Fosse por isso, meu pequeno Cássio seria uma esdrúxula e improvável mistura de Roger Federer, Jimi Hendrix, George Gallup e Gabriel Garcia Marquez. Mais do que meu DNA, meu filho carrega o inalienável direito de escolher seus caminhos.
Não é de se estranhar, com tanta ‘adultização’ das crianças que comecemos a ver a ‘criancização’ dos adultos. Crianças estressadas com rotinas de executivos enquanto seus pais estão imersos em programas vivenciais corporativos que estabelecem atividades lúdicas para desestressar e abrir os ‘canais de criatividade’, como jogar pingue pongue, pular amarelinha ou seja lá qual for a próxima moda corporativa. Peter Drucker para super-bebês e Jean Piaget para executivos de alta performance.
A preocupação com a formação das crianças é muito importante e sempre fui um árduo defensor do papel da Educação na construção de uma sociedade melhor, mas cheque especial e paranoia têm limites. Chega de consultórios cheios de pessoas vazias e profissionais frustrados com o próprio sucesso.
Antes de qualquer coisa, precisamos construir valores, e ensinar nossas crianças a serem crianças, simples assim. Caso contrário, logo teremos que requisitar a alguma consultoria internacional um programa para desenvolvimento de uma competência humana cada vez mais esquecida: a arte de ser feliz.