Há muitas coisas que me intrigam no mundo, o que diz menos do mistério delas do que de minha vasta ignorância. Aviões de trezentas toneladas sustentarem-se no ar. Pássaros cruzarem continentes em migração sem usar GPS. Formigas descobrirem traços de açúcar e informarem para hordas distantes de outras delas sem usar Whatsapp, SMS ou Facebook.
Mas talvez a mais intrigante seja o mistério da proliferação planetária dos flautistas peruanos.
Esses moçoilos estão na Avenida Paulista e na Praça da Sé em São Paulo. Em Copacabana. Em Fortaleza. Em Jijoca de Jericoacoara. Nas Serras Gaúchas. Em Buenos Aires. No metrô de Paris. No Battery Park de Nova York. Na Eduardo Ribeiro em Manaus. Na praça Santos Dummont em São José dos Campos. Em Taguatinga. Em Poços de Caldas. Em Araraquara. Em Santa Rita e na Sapucaí. Em Volta Redonda. Em Itabuna.
Ouvi dizer que estão até no Peru, pasmem!
Parecem franquia do Boticário. Estão em toda a parte.
Tenho um conhecido que viaja o mundo todo e jura de pés juntos que esses peruanos flautistas ocuparam todos os lugares do planeta. Da Torre Eiffel à Torre de Pisa. De Wall Street ao muro das lamentações.
Dia desses trombei com um deles aqui na minha pequena e pacata cidade, último refúgio dos modismos globais, agora também com seu representante maior do império inca. Só então percebi o extremo da situação.
Tava ele lá, com seu poncho colorido, sua banquinha de CD’s, seu amplificador rachado e sua inseparável flauta de madeira desfiando clássicos melosos da música universal.
O que faz com que esses andantes andinos saiam por aí desbravando fronteiras, munidos apenas de seus ponchos coloridos e suas intrépidas flautas?
Aliás, esses homens do Peru estão ficando bem saidinhos. Em 2007 lançaram no Reino Unido o CD Never Mind the Pan Pipes, reunindo clássicos do rock tocados com flauta de pã, dentre os quais hits das bandas Coldplay e The Killers. Flauta’n’roll na veia. Mas o disco ganhou notoriedade mesmo por conta de um trágico episódio: os flautistas Aracabi e Adelmo, que viajaram a Londres apenas para gravar o disco, morreram num acidente de carro quando regressavam para Macchu Picchu. Dizem que os deuses do rock ficaram Muccho Pucchos com a ousadia da iniciativa, mas jamais saberemos.
O fato é que os flautistas de pan não conhecem barreiras de estilo. Enfileiram Rod Stewart, Chopin e Michel Teló em sequência, como se fizessem parte de uma mesma trilha sonora.
Isto posto, capitulei.
Rendi-me à força hegemônica desses sopradores de clássicos, saquei uma cédula amarelada com a estampa de um mico leão dourado e pronto, comprei o cd do sorridente nômade andino.
Estava finalmente escolhido o presente de amigo invisível para a festa de fim de ano. Um presente do Peru.
E de mais a mais, haveremos de convir, o povo já está cansado de ganhar sabonete do Boticário, não é mesmo?