O pavão é uma ave da família dos galináceos, mas que cansado de ciscar com as galinhas de sempre, resolveu diferenciar-se nos rituais sexuais se vestindo com a pompa de um sultão do Império Bizantino. Sua colorida indumentária é vista pelos cientistas como uma evidência evolutiva da seleção sexual. Na cultura popular, o pavão é símbolo do exibicionismo e da vaidade.
Abordo o tema por causa da polêmica causada pela reportagem da Revista Veja SP, denominada “O Rei do Camarote”, que mostra o frenesi exibicionista do empresário Alexander Almeida na noite paulistana, esbanjando dinheiro, champanhe, gosto duvidoso e imodéstia. Constrangedor, de tão inverossímil.
Chafurdando na própria estultícia e sacralizando o consumismo acéfalo, o entrevistado elenca os 10 mandamentos do rei da balada, com pérolas impagáveis como: “Você tem que se vestir com as melhores roupas das melhores grifes e ter um carro potente”, “camarote é uma questão de status, chama a atenção na balada”, “Quem ta num camarote, tem que ter um Instagram, pra poder divulgar suas fotos e vídeos… Eu sei que muitos vão me criticar, mas eu vejo isso como inveja.”
Há muitos ângulos para avaliar o caso. Poderia dizer que é de uma insensibilidade brutal aparecer em público se gabando de torrar 50 mil por noite num país ainda tão desigual. Poderia dizer que ele tem o direito de fazer o que quiser com o dinheiro dele. Poderia dizer que Malufs e Eikes deveriam causar mais indignação. Poderia dizer que está faltando assunto pra revista e sobrando tempo para quem discute isso (como este incauto e inculto cronista). Poderia dizer também que essa ostentação é de uma pobreza estética inominável.
Mas vou abordar o assunto pelo prisma da “espetaculização” (sic) da vida cotidiana e do culto ao exibicionismo como uma nova ideologia, que se dissemina das lajes às lanchas.
A vaidade é um vício que acompanha a humanidade há milênios, mas que com as novas ferramentas tecnológicas transformou-se num transtorno obsessivo compulsivo coletivo. No livro “O vício dos vícios”, o psiquiatra Flávio Gikovate afirma que a vaidade provoca um prazer de admiração que se assemelha a uma sensação erótica. Sentimos prazer (ainda que inconfesso ou inconsciente) quando admiram nossa casa, nosso carro, nosso cônjuge, nossa tatuagem ou nosso novo smartphone. Mas como essa satisfação tem natureza efêmera, precisamos renovar a sensação através da aquisição de novos impulsos, novas roupas, sapatos, carros e conquistas.
Honoré de Balzac afirmava que se devia deixar a vaidade para aquelas pessoas que não têm outra coisa a exibir e Machado de Assis via nisso um princípio de corrupção.
A vaidade é capciosa e pode assumir formas diversas, inclusive sua variante camuflada, a vaidade de não ter vaidade, materializada no desejo de ser diferente. O religioso que prega a vida austera, desprovido das coisas materiais, está exercendo uma forma sutil de vaidade, a vaidade de se sentir moralmente superior e mais próximo de Deus. Você pode até discordar do escritor, mas a provocação merece alguma reflexão.
É da vaidade que advém um desejo quase incontrolável de exibir nossos carros, jóias, fotos, vídeos, bíceps e glúteos. Há ainda os que se põem a exibir ideias e conhecimentos. Este próprio autor que vos escreve, tão (presunçosamente) hábil em vociferar suas críticas aos exibicionistas de plantão, o que faz aqui, se não exibir sua prolixa opinião (que ninguém pediu), citando Balzac e Machado com o afã ardiloso de parecer erudito? Vaidade intelectual.
O exibicionismo está virando uma sociopatia contemporânea e em alguns casos com um viés inegavelmente brega, com seu brilho forçado e sua ostentação acrítica. Não há champanhe que dê conta de apagar tanta fogueira de vaidades.
Nos camarotes da vida ou nas arenas digitais, estamos todos virando indomáveis pavões cibernéticos, balançando freneticamente nossas cintilantes caudas, na ilusão de que assim ninguém perceba a constrangedora pequenez da galinha que nos habita.