– Olívia Palito!
Já faz muito tempo, mas até hoje essas duas palavras ecoam de um jeito estranho e desconfortável. Não apenas as palavras em si, mas a tonalidade estridente e os barulhos de fundo, crianças correndo, bolas chutadas, gritos e a balbúrdia típica dos pátios escolares.
Olívia Palito era o bordão predileto mas não solitário no balaio de apelidos aos quais se somavam tripa, vara pau, louva deus, salsicha, caveira e quatro olhos.
Sim, quatro olhos, porque além de magérrima ela usava óculos enormes, estilo fundo de garrafa, compondo o perfil de menina desajeitada que era alvo fácil das maldades da turma.
Evidente que tudo aquilo doía. Quem foi criança sabe. Não existe “bobeira” quando machuca a alma. Só é “tolice” quando o alvo é outra pessoa. Não importa se a zoeira é sobre o seu nariz, seu sotaque, suas espinhas ou seu corpo. Numa fase em que queremos ser aceitos pelos pares, essas “brincadeiras” doem fundo.
A grande diferença está em como se lida com essas agressões. Há quem se enclausure na solidão de suas mágoas e se isole dos grupos, num senso de inadequação social que se prolonga por outras fases da vida. Há quem se defenda com revides ainda mais violentos. Há quem se alie aos agressores para encontrar uma outra vítima a quem atazanar, revezando os papéis de vítima e algoz. E há quem use o bullying como combustível para se tornar maior e mais elevado até o ponto em que as tolas palavras não os alcancem mais.
Os anos passaram para a nossa pequena dublê de Olívia Palito, que já não era tão pequena assim, embora continuasse tão palito quanto antes.
Ela tirou os óculos, se maquiou, fez um penteado estiloso e meia dúzia de fotos. Enviou para o concurso de uma famosa revista para adolescentes. Foi uma das seis escolhidas de todo o Brasil. Como prêmio recebeu um curso de modelo fotográfico e o direito a passar dois meses na Alemanha. Voltou transformada e com alguns contratos na bolsa.
Tinha apenas 15 anos de idade e não teve a oportunidade de ouvir o velho bordão de Olívia Palito novamente, porque agora vivia entre aeroportos e sessões de fotografia e estudava à distância para poder concluir os estudos.
Continuou magra como sempre foi da sua natureza, mas agora com uma beleza escancarada, antes escondida atrás de óculos enormes. Agora Olívia Palito desfilava seu corpo longilíneo pelas passarelas como se fosse dona do mundo. Desabrochou sua beleza abafada.
Já tem 35 anos de idade e perdeu contato com a maioria dos “amigos” de infância, seja porque o tempo afasta ou simplesmente porque Nova York, onde mora atualmente, é um bocado distante da sua cidade natal.
Os anos de infância foram doídos e ouvir aquelas duas palavras quase todo dia a marcaram de uma forma muito particular. Mas ela sabe que esse foi o grande combustível e motivação para ela fosse o que é hoje.
Continua linda como sempre foi, mas hoje já precisa sofrer um bocado para manter sua porção Olívia Palito, ingresso indispensável para abrir as portas de madeira maciça que dão acesso aos panteões dourados que frequenta.
Olívia Palito conquistou o mundo.
(Baseado numa história real, cujo nome foi preservado por respeito à protagonista)