Estava em piloto automático, no parquinho, empurrando meu filho mais novo no balanço, quando ele rompe o pacto silencioso que nos unia àquele “empurra e balança”:
– Pai, por que as cigarras fazem esse barulho todo?
Verdade seja dita, nem tinha percebido a estridência da sinfonia que se formara ao redor de nós naquele momento.
– Porque elas gostam de cantar!
– Mas porque elas gostam de cantar assim, “do nada”?
– Ah, porque sim…
– Porque sim não vale. Olha no Google!
Um pouco humilhado em meu orgulho de “papai sabe tudo” e ante a incapacidade de formular de bate pronto alguma teoria que fizesse um mínimo de sentido, peguei o celular e segui os sábios conselhos do menino de quatro anos.
– Vai logo pai, o que o Google disse?
A sorte é que eu, mesmo pressionado, resolvi dar uma lida antes no artigo:
(…) “Os insetos utilizam o som para várias finalidades, como comunicação, ataque, defesa e acasalamento. No caso das cigarras, o canto é usado pelos machos para atrair as fêmeas e, assim, realizar a cópula”.
– Fala logo pai, o que está escrito?
Peraí que eu estou traduzindo filho, está em inglês.
Mas até eu sei falar inglês: gudibái. Você não sabe falar inglês?
E mais uma vez estava lá meu orgulho de pai sabichão humilhado impiedosamente.
Precisava inventar uma teoria convincente se não quisesse ter que chafurdar na constrangedora explicação da vida sexual dos insetos.
Resolvi embarcar na explicação inicial do artigo e suprimir o verdadeiro intento libidinoso das cigarras cantantes, que era a cópula. Aliás, naquele momento a gritaria das cigarras já estava insuportável e eu já um bocado incomodado de estar ali com meu filho de quatro anos no meio de tanta cigarra tarada.
– Filho, as cigarras cantam para ataque e defesa….
… (trinta segundos tensos, do mais absoluto silêncio)
E quando eu, aliviado, pensava que a curiosidade do pequeno já se desse por saciada, ele volta à carga:
– Pai, mas como uma cigarra pode atacar a outra cantando? E a outra pra se defender canta de volta?
Estava me enrolando cada vez mais. A teoria de fato não fazia muito sentido. Nem mesmo para uma criança de quatro anos. Com o celular na mão, ainda pensei em baixar algum e-book ou assistir algum tutorial para pais imbecis sobre como sair de situações assim, até que num lampejo de brilhantismo fingi que estava lendo uma mensagem e disparei:
– Mamãe está chamando para almoçar…
– Ah pai, a gente ficou tão pouco…
– Vamos lá filho que vai ter sua comida predileta hoje (nem sabia se teria, mas isso já seria problema da mãe do menino curioso).
Saí do parquinho aliviado, quando ao chegar à esquina ele solta:
– Pai, o que aqueles cachorros estão fazendo?
Sim, para meu pesadelo, eram dois cachorros, que provavelmente estimulados pelos feromônios incendiados das cigarras, resolveram copular justo ali, no meio da rua.
No meio do caminho havia uma cópula. Havia uma cópula no meio do caminho.
– Acho que eles estão brigando filho.
– Mas eles não estão com cara de briga não…
É nessas horas que a gente percebe que nem mesmo um smartphone de última geração pode te livrar de certas encrencas.
– Vamos apostar uma corrida? O primeiro a chegar no final da rua ganha um picolé de brigadeiro.
Apelei ao último recurso que restava para convencê-lo: picolé de brigadeiro. Não consegui explicar para o menino os meandros da cópula animal, agora teria que explicar para minha mulher porque raios dei a ele um picolé de brigadeiro justamente antes do almoço.
– Você tá doido? Por que você foi dar um picolé pra ele antes do almoço?
Tentei explicar que foi por causa dos cantos ensandecidos das cigarras taradas em busca de cópulas, mas por alguma estranha razão minha mulher não acreditou em mim.