Através do pequeno retângulo ovalado avisto a beleza pontiaguda da cordilheira pintada de neve, feito chantilly em brownies de chocolate cenozóico, nas linhas assimétricas e caprichosas da cordilheira que separa o Chile da Argentina.
Estou retornando de uma curta viagem a trabalho a Santiago, no Chile, e a imponência majestosa da Cordilheira dos Andes não é o que mais me impressionou.
Fazia quase uma década que não ía ao Chile e a discreta admiração de antes aumentou um bocado: quanto avanço visível em tão curto tempo! Um país moderno, pujante, próspero, com arranhas céus que desafiam as montanhas (o maior prédio da América do Sul está lá), empresas de alta tecnologia, novos empreendimentos e um distrito financeiro que tem a ousadia de se apelidar de Sanhattan, a Manhattan de Santiago.
Não é exatamente novidade que o Chile é o país melhor resolvido social e economicamente da região, mas mesmo assim é sempre um choque comparar essa pujança com a história de problemas e pobreza quase indissoluvelmente associadas às veias abertas da América Latina. Mais doído ainda é atestar o abismo que se abriu entre o Brasil emergente que se desenhava e a marcha ré que engatamos e não conseguimos mais sair.
O Chile enfrentou problemas parecidos com os nossos, esteve sob o jugo de colônias exploradoras, passou por crises econômicas agudas, desigualdades, pobreza e um regime militar dos mais brutais. E volta e meia o país é sacudido por algum terremoto, coisa que não temos por aqui. E não é que o país seja atualmente uma ilha da fantasia. Mendigos, desempregados, batedores de carteira e barracos de madeira às margens do Rio Mapocho estão lá para não nos esquecermos que esses problemas existem. Mas em uma outra dimensão. Todas essas aberrações que parecem um subproduto de uma sociedade em desenvolvimento lá aparecem mais na forma de coadjuvantes do que de protagonistas.
Isso me faz lembrar a frase jocosa que ouvi na sala de uma universidade em que lecionava: “o Chile é o Brasil que deu certo”.
E antes que você ache que esse veredito é fruto apenas da percepção visual de uma curta viagem pela capital chilena, julguemos os números: o PIB per capta do Chile é muuuuuito maior que o nosso, e expectativa de vida se aproxima da do Japão, a economia é mais estável, as instituições funcionam melhor, o país é menos corrupto (se é que é possível gerar estatísticas confiáveis disso), o IDH do Chile é muito melhor e os estudantes chilenos estão sempre goleando os brasileiros nos principais testes educacionais. Numa economia que será movida pelo conhecimento, isso é a garantia de que os chilenos terão oportunidades melhores, empregos mais bem pagos e empresas instituições melhor sucedidas.
O mais importante é constatar que os Chilenos conseguem melhores resultados educacionais mesmo investindo proporcionalmente menos do que o Brasil na Educação, o que mostra que não se trata apenas do volume de recursos (que tem sua importância), mas sobretudo de eficiência, do quão bem o país é capaz de manejar os investimentos públicos.
Mas que lições podemos extrair do caso chileno?
A história de nenhum país cabe nas curtas linhas de um artigo, são construções complexas, soma de uma gama extensa de ações, projetos e esforços de várias gerações ao longo de muito tempo e essa talvez seja a maior lição a extrair. O Brasil (e outros hermanos vizinhos) sofre de uma mistura perversa de falta de projeto, falta de visão de futuro, gestão pública deficiente e ênfase no curto prazo.
O Chile, nos períodos mais duros de sua crise, promoveu reformas, fortaleceu instituições, acreditou na Educação e procurou gerir as contas públicas com responsabilidade e não como um bebum insaciável que se farta num tonel de pinga como se não hovesse amanhã. O Estado é mais leve, sangra menos a sociedade e devolve serviços de melhor qualidade que o brasileiro. Há menos violência, menos burocracia e mais liberdade para empreender.
Nas bases disso tudo a visão de futuro, um projeto de país e consistência para seguir o caminho planejado, independente do governo de plantão.
No Brasil parece que estamos sempre à busca do salvador da pátria, do herói, de alguém que resolva num passe de mágica aqueles problemas que insistem em nos acompanhar desde muito tempo. O desenvolvimento de um país é obra coletiva mais do que individual, dá trabalho, leva tempo, tem revezes, e muitas vezes o plantio gera frutos apenas para a geração seguinte. Um país se faz grande não apenas pensando grande, mas agindo com grandeza também.
Toda longa caminhada começa com um primeiro passo. Que a gente não esqueça que um país se constrói junto, todo dia e no longo prazo. Leva tempo e dá um trabalho danado, mas o exemplo do Chile mostra que é possível e dá certo.