Confesso que fiquei horrorizado com o preço dos ovos de Páscoa. 60, 80, quase 100 reais. Cheguei a pensar que fossem recheados com bacalhau da Noruega pra completar o almoço de Páscoa, ou que a embalagem fosse folheada a ouro.
Porque quando você compara o custo da barra e o mesmo chocolate em forma de ovo não é possível entender a alquimia dos preços.
Aliás, verdade seja dita, ando achando tudo caro ultimamente: chocolate, refrigerante, óculos, brinquedo, gasolina, água pra beber e ar puro. Não sei se as coisas estão cada vez mais caras ou eu que estou ficando aos poucos mais pobre.
Mas voltemos aos ovos. Decidi economizar e dar chocolates em barras, já que todo ano as crianças ganham tanto chocolate que não conseguiriam consumir nem mesmo se a infância deles durasse até os 85 anos, quando provavelmente ainda não terão aposentado.
Meus filhos, presas fáceis do multicolorido apelo consumista dos supermercados, logo reclamaram da austeridade Pascoal. Mas eis que a mãe surgiu com a notável ideia da Páscoa solidária. Compraríamos chocolates (inclusive alguns ovos), deixaríamos apenas uma pequena parte em casa e o restante doaríamos para crianças carentes.
A ideia causou inicialmente certa estranheza, em parte pela renúncia embutida, em parte talvez porque meus filhos (de três e seis anos) ainda vivem numa bolha, onde os problemas se resumem aos conflitos com os coleguinhas, ter que comer brócolis, lavar atrás das orelhas ou aturar as disputas com o irmão. Nesse mundo protegido, “criança carente” é um termo quase ininteligível.
E lá foi toda a família a um bairro muito carente da cidade, um aglomerado labiríntico de projetos mal acabados de moradia, assimétricos, pequenos, tortos, improváveis, incompletos.
Paramos o carro, meus filhos se aproximaram de uma menina vestida apenas com um trapo em forma de saia, tiraram um ovo da sacola e soltaram um carinhoso: “Feliz Páscoa”.
A menina baixou os olhos e pegou o ovo entre acanhada e feliz, os pais chegaram para ver a cena inusitada, com a cara sofrida e o olhar agradecido.
Em questão de segundos, ondas telepáticas e chocoláticas se disseminaram pelo ar, e dezenas de crianças se aglomeravam em torno das crianças pedindo chocolates. Distribuímos todo o estoque, desejamos feliz páscoa e vimos a algazarra da criançada com os presentes inesperados. De alguma forma os chocolates se multiplicaram e creio que tenha chegado um pouco pra cada um dali.
Meu filho mais velho estava com os olhos úmidos, o mais novo curioso e agitado, os pais das crianças gratos, a pequena comunidade alvoroçada, e a gente saiu dali com uma alegria singela, mas genuína.
Meus filhos talvez tenham visto pela primeira vez uma realidade paralela, de casas sem banheiro, crianças sem roupas, filhos sem pais, páscoa sem chocolate. Crianças levando no colo outras crianças, e que talvez ainda crianças carregarão outras crianças dentro de si, que carregarão outras crianças. Infâncias interrompidas num ciclo sem fim.
Prometemos uns aos outros que faremos isso novamente, em outras ocasiões, e não apenas na Páscoa, porque no final das contas os maiores beneficiado com a ação fomos nós mesmos.
Não sobrou tanto chocolate em casa, mas o almoço foi farto como sempre, e estávamos com o espírito saciado como nunca antes.
Uma páscoa com o verdadeiro sabor da Páscoa.