“Existem apenas duas coisas infinitas – o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao Universo.”
Albert Einstein
Dois homens encapuzados, portanto metralhadoras russas, abrem fogo contra jornalistas da revista Charlie Hebdo. Doze morrem, outros tantos ficam feridos.
Um cenário das trevas em plena cidade luz, Paris.
Morreu Charb, Diretor da revista. Morreu o octogenário Wolinski, um dos cartunistas mais conhecidos do mundo, de mente afiada e humor mordaz. Morreu um pouco da liberdade de expressão. Morreu mais um pouco da tolerância multicultural da Europa. Pior ainda, morreu um pouco da crença que é possível viver em paz a despeito de suas crenças ou da falta delas.
Charles e Wolinsky foram apenas mais dois dentre os milhões já mortos em nome da religião ao longo da história da humanidade.
A mesma religião que deixou um legado impressionante nas artes, arquitetura e cultura tem sido a força motriz de algumas das piores atrocidades que já presenciamos.
Porque a religião, quando vira fanatismo, cega ao invés de iluminar.
E não é de hoje que o fanatismo faz suas vítimas.
Judeus e palestinos. Católicos e protestantes na Irlanda. Xiitas e sunitas. Budistas e comunistas na China.
Na Idade Média era o Cristianismo que vivia mergulhado no obscurantismo e queimou muita gente brilhante apenas por discordarem de sua cartilha arrogante e totalitária, que acabaria sendo reformada pelos Papas que se sucederam.
Mas isso foi há quase um milênio. Choca saber que em plena era da revolução tecnológica, onde a informação flui sem barreiras, ainda tenhamos que assistir a espetáculos tão brutais quanto o perpetrado neste início de 2015 em Paris.
Tendo a me aliar aos defensores irrestritos da liberdade de expressão. Afinal de contas, foi o livre pensar que nos trouxe até aqui. É o direito de poder discordar da ordem dominante que nos faz evoluir e conquistar novos horizontes e perspectivas.
Mas a questão é muito mais controversa do que parece.
A liberdade de expressão é um valor absoluto ou até ela mesma comporta algum limite, um limiar a partir do qual seria inaceitável?
É razoável poder expressar livremente opiniões ofensivas a pessoas, etnias, grupos, profissões ou instituições, tendo como contraponto apenas e tão somente os limites e as penas da Lei?
Conquanto pareça plausível pensar que sim, na prática tudo é muito mais complexo.
Há alguns anos li o romance “Neve” do escritor turco ganhador do Nobel de Literatura, Orhan Pamuk. O livro traz um interessante panorama do que é a Turquia, país cujo território se encontra parte na Europa e parte no mundo árabe, com uma fusão cultural ainda um pouco turva entre o liberalismo ocidental e as raízes ortodoxas muçulmanas.
Logo no início do livro, o autor narra a eletrizante discussão entre um Diretor de Escola e um fanático religioso, inconformado com a proibição das alunas usarem manto religioso durante as aulas. O diálogo expressa o conflito latente entre a obrigação de seguir as leis de um Estado laico e a necessidade de cumprir as rigorosas leis islâmicas. Ao final do diálogo, o fanático acaba por assassinar o diretor da escola.
Esse exemplo extraído da ficção reforça a impenetrabilidade da couraça cultural que cada um de nós carrega. E quando visões de mundo tão antagônicas se contrapõem num mesmo espaço e local, o choque cultural parece inevitável. Liberdade não combina com Intolerância.
O mundo ficou um pouco mais triste, dividido, intolerante e perigoso, mas espero que a força das idéias ainda seja maior do que a covardia dos bárbaros.
Que o lápis vença o fuzil.