Lembro que achei estranho quando assisti um telejornal informar que se poderia pleitear a anulação de multas de trânsito por excesso de velocidade sempre que não houvesse placa avisando antes a existência de radar naquela estrada.
Ou seja, você só pode ser multado se for avisado que naquela pista tem um radar de olho em você.
O ladrão entra na sua casa, o alarme dispara e ele é preso, mas depois é inocentado porque na sua casa não havia nenhuma placa informando da existência do alarme. É mais ou menos esse o sentido da lei.
Ora, se na estrada diz que o limite máximo de velocidade é X, resta óbvio que se você exceder X você está transgredindo a lei. Precisa avisar alguns metros ou quilômetros antes que além disso a rodovia tem radar?
Mas digamos que seja essa a filosofia torta da lei. Beleza. Dura lex sed lex. A lei é dura mas é pra ser cumprida.
Pouco tempo depois descobri que foi criada uma nova lei de trânsito, que multa os motoristas que avisarem outros (piscando o farol por exemplo) da existência de fiscalização na estrada.
As leis brasileiras são tipo o Chacrinha. Elas não vieram pra explicar, elas existem pra complicar.
Vamos tentar entender então: se você cometer uma infração de trânsito dirigindo a 150km por hora numa estrada em que as placas de velocidade estão explícitas mas não houver antes placa avisando da fiscalização eletrônica, você está isento de qualquer multa porque não foi avisado que estaria sujeito à fiscalização.
Mas se você, andando a 60km, avisar algum outro motorista de que existe uma fiscalização na estrada você será multado. Convenhamos, as duas leis, analisadas em conjunto, não tem muita lógica.
Mas o Brasil é o Brasil. A barafunda de leis complicadas, sobrepostas ou que se auto anulam é tão grande que aqui elas se enquadram em duas categorias: as leis que “pegam” e as que “não pegam”.
Não dá para acusar o brasileiro de não respeitar as leis. Vejam a verdadeira revolução cultural provocada pela lei que proíbe o fumo em áreas públicas. Essa pegou. Antigamente as pessoas fumavam feito chaminés em qualquer lugar: no supermercado, na padaria, no restaurante e até em maternidade. Aliás, num passado um pouco mais distante, até mesmo em voos internacionais de longa distância o fumo era permitido. Para colocar um pouco de ordem no interior das esquadrilhas da fumaça as companhias estabeleciam regras: havia a área de fumantes e de não fumantes, o que na prática não servia de nada, porque o ar do avião é sempre o mesmo, reciclado entre todos os passageiros.
Quem tem a oportunidade de visitar países europeus, como a França, se espanta com a quantidade de fumantes em áreas públicas e ambientes fechados.Pelo menos em alguma coisa a gente parece mais avançado do que os países desenvolvidos.
Tem lei que “pegou mais ou menos”, como parece ser o caso da lei que proíbe dirigir após o consumo de bebida alcoólica. Algum efeito surtiu, e cada vez mais pessoas têm o bom sendo de eleger o “amigo da vez” ou voltar pra casa de táxi após uma noitada no bar. Uma lei inteligente e louvável. Mas volta e meia ainda somos assombrados no telejornal do almoço com tragédias que ocorrem pela fatal mistura de álcool e direção. Tomara que assim como o cigarro, essa lei pegue pra valer.
Mas tem lei no Brasil que não pegou de jeito nenhum.
Um exemplo era a conduta criminosa estabelecida pelo artigo 240 do antigo Código Penal: o adultério, que previa detenção do fornicador por até seis meses. No período colonial, o Brasil importava regras portuguesas ainda mais severas, que podiam punir a mulher e seu amante até mesmo com a morte. Sim, punia-se a adúltera, mas quando o crime era cometido pelo marido essa punição costumava ser relevada.
Mas o artigo 240 “não pegou” no Brasil. Não pela ausência do crime, mas pelo seu exato contrário: era uma prática tão disseminada que acabou admitida como algo fora do alcance do Direito Penal.
E ainda bem que essa lei não foi criada pelos legisladores de trânsito, porque nesse caso só seria considerado adultério se a esposa ligasse antes para o marido avisando que naquele dia haveria fiscalização. Se a mulher pegasse o safado entrelaçado na sirigaita executando o tacape do guerreiro (posição 379 do Kama Sutra), mas não tivesse avisado antes, para efeitos legais, o adultério não seria passível de multa.
– Pode isso Arnaldo?
– Se não avisou antes, a regra é clara: segue o lance!
Coisas do Brasil.