Por conta da minha atividade profissional viajo com frequência, mastigo muito asfalto e vou sempre a São Paulo.
Não gosto de estereótipos, que com muita frequência são preconceitos embalados numa cápsula revestida de verdade, mas é sempre difícil não associar São Paulo com a deselegância nada discreta de prédios mal cuidados, engarrafamento, arquitetura cinzenta, fumaça de óleo diesel e pressa. Ok, tem também grandes teatros, livrarias, universidades, ótimos restaurantes, uma economia pujante e o Ibirapuera. Mas tudo isso parece engolido na hipertrofia caótica da quarta maior cidade do mundo.
Um pouco de poesia, no meio da correria, mal não faria.
Um dos estereótipos mentais mais emblemáticos nas minhas idas ou saídas de São Paulo é a famosa Marginal do Tietê, a imensa rodovia que serpenteia ao lado do rio homônimo, mais poluído que mente de adolescente. É nela que eu me afogo e me engarrafo indo e vindo da pauliceia desvairada.
E sempre a mesma combinação letal de prédio feio, fumaça de óleo diesel, rio poluído e carros que (quase) não se movem. Mas eis que nesta semana me deparei com uma cena incomum: quase toda a extensão da Marginal ocupada por lindos e floridos Ipês Rosas. Por um breve momento duvidei que estivesse no meio da selvageria de concreto de São Paulo.
Chegando em casa fui pesquisar e descobri que já faz uns três ou quatro anos que plantaram 40 mil aroerias, quaresmeiras, jatobás, ipês e sei-lá-o-quês. Não sei se foi a primeira vez que dei a sorte de vê-las todas floridas, ou se meu coração já endureceu feito concreto armado e perdi a capacidade de enxergar o belo no meio do cinza.
Ao mesmo tempo, fico me perguntando: o quanto poderíamos tornar as cidades melhores, mais amigáveis, mais sustentáveis e bonitas, sem necessariamente gastar rios de recursos em obras públicas faraônicas e muitas vezes desnecessárias.
Lembrei de um conhecido que mora próximo da minha casa e um dia plantou um monte de margaridas quase em frente à casa dele, no canteiro central de uma avenida movimentada, onde antes só tinha mato e um arremedo de grama. Um dia passei de carro e vi um pedaço do canteiro tão inundado de flores que quase bati o carro de tão inusitada que foi a cena (até pelo contraste com o matagal que engolia o resto do canteiro).
Toda vez que passava por lá dizia pra mim mesmo que um dia eu iria plantar margaridas no resto do canteiro (uma meta pra lá de ousada, considerando a extensão quilométrica da avenida), mas nunca levei meus pensamentos para combinar o que fazer com meus braços. Pra falar a verdade, acho que o vizinho também desanimou e nunca mais vi flor nenhuma no canteiro, agora mais entregue ao matagal do que antes.
Mas se até a Marginal do Tietê pode ser reinventada, porque não um simples canteiro da minha cidade?
Espero que o encanto dos Ipês Rosas não passe e dessa vez eu leve a intenção a sério. E que mais gente como eu consiga enxergar a luta dos ipês rosas para aparecer no meio da insensatez cinzenta e da indiferença de nossos bólidos de aço com ar condicionado.
Segunda feira tenho reunião em São Paulo. Já estou com saudades dos Ipês Rosas.