Sempre tive um certo desconforto com o marketing do bem, não tanto pela promoção do bem em si, mas por desconfiar que em muitos casos o “bem” se transforma em mero instrumento incidental para a promoção de alguma outra causa principal, financeira ou ideológica.
Como aquelas empresas que gastam 1 milhão em ações sociais e 5 milhões divulgando essas ações em campanhas de TV e relatórios suntuosos do balanço social. Mera ferramenta de marketing, ainda que com o (benéfico) efeito colateral de realizar o bem aqui e acolá.
Faço parte de um centro de voluntariado há mais de 15 anos, o qual tive a honra e o desafio de presidir durante um par de anos. Uma instituição que nasceu com a missão de promover o voluntariado sem qualquer subvenção estatal.
No começo de nossas atividades, tínhamos o dogma de não ficar propagandeando nossas ações, para que não soassem auto promoção ou tivessem o risco de qualquer viés político. Tínhamos até um certo orgulho desse perfil low profile.
Ao longo do tempo, percebemos que éramos pouco conhecidos, e que nossas ações não reverberavam tanto quanto desejaríamos, justamente porque estávamos enclausurados em nossas orgulhosas certezas. O tempo mostrou que a gente precisava repensar essa posição, não para se alojar no extremo oposto, mas talvez para uma posição intermediária ao menos. Como disseminar uma cultura de filantropia e voluntariado numa redoma de vidro? Ajudou muito nesse sentido uma pessoa iluminada, fundadora desse centro, Tânia Zampieri, que hoje ilumina dimensões mais elevadas.
Bom, todo esse longo introito é para confessar (ou propagandear), que no domingo em que escrevo este texto fui com minha família a um bairro muito carente da cidade em que moro distribuir panetones para as crianças e famílias daquela localidade.
Foi uma alegria ver a alegria deles. Gente como a Gente. Talvez não exatamente como a gente. Gente sem chinelo pra calçar, gente sem camisa pra vestir, gente sem comida pra comer, gente sem exemplo pra seguir, gente sem futuro pra acreditar.
O que mais valorizei na iniciativa (que já tinha feito na Páscoa), foi tirar meus filhos ainda pequenos (4 e 7 anos) da bolha de conforto em que vivem para mostrar um pouco da vida como ela é. Mostrar que eles vivem numa ilha da fantasia onde os problemas se resolvem sozinhos, onde as roupas aparecem milagrosamente limpas e passadas e a comida está sempre fumegante antes mesmo que o estômago reclame qualquer falta. Uma vida em que não é preciso reciclar o lixo que outros produzem para poder sobreviver, nem contar com a benevolência de quem acorda pra vida a cada duas ou três efemérides anuais. Porque o estômago também ronca quando não é Páscoa ou Natal.
Quando acabaram os panetones, nos despedimos daquela Gente não exatamente como a Gente, ligamos o ar condicionado e partimos de volta pra casa em silêncio. Provavelmente um silêncio de alegria contida e reflexão profunda também.
Eu voltei um pouco mais feliz com a ação, mas um pouco incomodado também. Gastei com os panetones menos do que gastei em uma confraternização num restaurante no dia anterior. Mais ou menos como a empresa que gasta mais com o marketing da ação do que a própria ação em si.
Então lembrei da Tânia. É preciso trazer mais pessoas para a causa. Fazer o bem faz bem, mas sem contar pra ninguém talvez ele não se expanda tão bem.
Então é isso. A vida é dura, mas é muito mais dura pra maioria das outras pessoas. Se puder, neste Natal, faça um gesto de doação e nem precisa ser material. Você pode até pensar que está ajudando o próximo, mas no fundo está ajudando a si mesmo. Estudos científicos já provaram que o dinheiro que traz mais felicidade é o dinheiro que a gente gasta com as outras pessoas. Qual é o espírito do Natal, afinal?
E se puder, faça melhor do que eu, não faça disso apenas uma ação isolada no Natal. E nem precisa contar pra ninguém, mas se for trazer mais gente pra causa, então que assim seja.
Eu tenho certeza que a Tânia, lá de cima, vai agradecer.
Feliz Natal!