Parecia que ela escolhia sempre as situações mais impróprias. A final da Taça Libertadores. Se fosse decisão por pênaltis, melhor ainda. Reunião de amigos, festa de aniversário ou a pequena morte que se segue ao grande ato, tudo era palco e momento para discutir a relação.
E você, nobre leitor, há de saber. Se há uma coisa que os homens abominam é discutir a relação. Não por mera intolerância, mas é que simplesmente não fomos programados para compreender as sutilezas curvilíneas da psique feminina nem os oblíquos significados ocultos por trás dos nossos mais comezinhos atos. Comparados às mulheres os homens são sempre seres ogros, atrasados e cegos para as nuanças da alma.
Não é a toa que os cursos de engenharia mecânica estão cheios de homens e os de psicologia cheios de mulheres. O homem médio, e o típico homem é sempre médio mesmo, preferirá ter que duelar com um tiranossauro faminto, ser escalpelado vivo ou morrer lentamente por asfixia a ter que discutir qualquer relação.
Discutir a relação com uma mulher é como o Madureira enfrentar o Bayern de Munique no inverno germânico. Derrota certa. Você sabe que não há a mais remota possibilidade de sair vencedor do confronto.
Foi num verão com a família em Angra, no que seria um aprazível passeio de barco pelas tépidas águas esmeraldas do local, que Maria Clara escolheu para mais uma de suas inconvenientes intervenções.
– Alfredo, e se o barco afundasse agora e você só pudesse salvar uma pessoa, salvaria eu ou sua mãe?
A espinha gelou. Meio milionésimo de segundo antes de finalizar a última sílaba da palavra “Alfredo” o hipotálamo já acionara a sirene de emergência. Sabia que não havia como sair vivo daquela cilada.
Em concentrado silêncio, tentou perscrutar todas as poucas saídas possíveis.
– Digo que salvo minha mãe porque é mais velha, e arrumo um problema com as duas;
– Digo que salvo Maria Clara porque é o amor da minha vida e minha mãe dirá, horrorizada, que sou ingrato porque foi ela que me deu a vida.;
– Tento a solução kamikaze e digo que não salvaria nenhuma das duas? Hmmm…
– Digo que salvaria ambas? Mas o enunciado da cilada não permite essa opção, e com certeza o cunhado pernóstico rirá de minha bravata ao ver minha pança avantajada.
– Vai me ignorar como se eu fosse ninguém Alfredo?
Seu tempo esgotara. Era Maria Clara, ansiosa pela resposta à implausível pergunta.
E então lança mão de sua última cartada: simula um mal súbito e começa a se debater pateticamente, para horror dos presentes. Remexeu-se e simulou tão bem que acabou por realmente passar mal, com o auxílio nada luxuoso de meia dúzia de caipirinhas de kiwi.
Mas pelo menos não teve que discutir a relação.
Foi por descurtir a ralação de discutir a relação que em certa feita Alfredo acabou por concordar com o casório. Seja como for, Maria Clara era mesmo moça bonita, fina e de família, digna da mais alva grinalda.
E então chegou o dia (os dias sempre chegam). Maria Clara escolhera o mais lindo vestido que aquela cidade já vira. A mais bela igreja, o mais rico adorno. Flores de deixar Amsterdã cinzenta. Igreja cheia. Convidados, padrinhos de casamento, cantora lírica, violinista, até trombeta tinha. Só não tinha o noivo, que mais de uma hora depois do horário marcado, ainda não aparecera, deixando todos apreensivos, e Maria Clara, claro, desesperada.
É quando toca o celular de um dos padrinhos, que o faz passar de mãos em mãos até chegar ao carro onde a desolada noiva estava.
Era Alfredo, o noivo, querendo enfim discutir a relação.