Caneta azul, azul caneta, caneta azul está marcada com a minha letra…
Se você não sabe do que se trata as linhas que introduzem este texto parabéns, você é uma das poucas pessoas no Brasil que não teve o cerebelo abduzido pelo refrão grudento da canção de Manoel Gomes, um porteiro maranhense que conta a singela história de um aluno que perdeu uma caneta azul a caminho da escola e que não consegue o objeto de volta, mesmo tendo marcado-o com o próprio nome.
Em poucas horas o vídeo viralizou na internet, obteve milhões de acessos no YouTube, fez com que o autor ficasse nacionalmente famoso e visto a música ser cantada por celebridades e cantores dos mais diversos estilos, de sertanejos ao internacional DJ Alok.
A questão que se coloca é, numa sociedade tão mediada pelas redes sociais, onde os celulares podem produzir uma celebridade instantânea ou destroçar a reputação de alguém em minutos, o que faz com que algo viralize e alcance multidões ?
O vídeo da caneta azul não tem produção, a canção não é sofisticada e o cantor está (muito) londe ge personificar o estereótipo do galã sedutor.
Talvez resida aí a receita do sucesso. O inusitado. O caricato. A simplicidade quase tosca, provando que sempre é possível enxergar poesia no autenticamente ingênuo. E uma falta de padrão de qualidade, deixando tudo um bocado tosco, ao ponto de dizermos que é tão ruim, mas tão ruim que é bom.
Mas então tudo que é muito ruim faria muito sucesso e tudo que é muito bom seria desprezado? Não, nada é tão simples assim.
Durante muito tempo o papel de criar hits, memes e bordões esteve a cargo da publicidade, com suas bombas de mil megatons repetidas em doses maciças no horário nobre da TV que assistíamos em canais hegemônicos enquanto jantávamos em família. O mundo mudou. Não há mais canais hegemônicos, cada pessoa carrega sua própria TV no bolso da calça e não jantamos mais juntos em família.
- Bonita camisa Fernandinho!
- O primeiro sutiã a gente nunca esquece.
- Tem coisas que o dinheiro não compra.
Foram muitos os bordões incorporados à cultura popular através da Propaganda.
Diversos autores têm tentado decifrar o que faz com algumas coisas viralizem e outras morram no ostracismo de sua insignificância. Apesar da dificuldade da empreitada, a maior parte dos “estudiosos” parece crer que esses hits compartilham um conjunto de características que pode contribuir para sua disseminação:
Humor. Um estudo mostrou que pelo menos metade dos materiais que viralizaram tinham algum componente cômico ou de auto depreciação.
Espontaneidade. Com alguma frequência, vídeos mais toscos e sem nenhuma produção conseguem melhores resultados do que grandes produções minuciosamente planejadas e por trás disso pode haver uma busca por autenticidade (material escasso em tempos de selfies planejadas e filtros que aliviam rugas e marcas de expressão). No limite, produções amadoras e até um pouco toscas podem reforçar o traço cômico que mencionamos anteriormente. No caso da caneta azul é possível perceber a existência dessas duas características.
Identificação. Tendemos a valorizar histórias e situações nas quais nos enxergamos dentro delas. Quem já não perdeu uma caneta azul ou não colocou um papelzinho com o próprio nome na vã esperança de tê-la de volta em caso de perda?
Utilidade. Quando um determinado assunto ou conteúdo te ajuda na solução de algum problema ou faz você saber mais sobre um assunto importante. Não parece ser o caso da caneta azul.
Surpresa. O fator surpresa pode ser um grande desencadeador de viralizações. Conteúdos surpreendentes, chocantes, inéditos ou de execução técnica impressionante costumam induzir as pessoas a compartilharem para que seus amigos sintam a mesma sensação de choque e surpresa.
O fato é que ninguém sabe porque algumas coisa “pegam” e outras não.
O que todos concordam é que essas explosões midiáticas quase sempre desaparecem com a mesma velocidade com que surgiram e raros são os que conseguem deixar marcas após esses rompantes febris de contágio popular, como uma Macarena que até hoje todos dançam mas sem lembrar exatamente quem compôs.
A internet permite que coisas inimagináveis façam sucesso instantâneo ao mesmo tempo que condena ao ostracismo irreversível na curva seguinte, numa gangorra tão excitante quanto cruel.
Nunca foi tão fácil ser visto. Mas nunca foi tão difícil ser lembrado.
PS: Quem compôs a música “Macarena foi a dupla espanhola Los Del Río, mas quem “me” lembrou disso foi o Google. Macarena foi eleita a segunda música mais irritante de toda a história pela revista Rolling Stone. É porque eles não conheciam ainda a “Caneta Azul” do Manoel Gomes.
Alexandre Correa é professor da FGV, escritor e palestrante corporativo. Ele está no YouTube, no Facebook, no Linkedin, no Instagram, no SPC e no Serasa. E não está no Tinder porque sua mulher não deixa.