Não sei quantos anos tinha, mas não eram muitos e a descoberta me marcou.
Acho que foi numa aula de ciências que fui introduzido ao horripilante mundo dos micróbios, vírus, fungos e bactérias. Lembro até hoje daquela página 37 do livro da escola, uma ilustração enorme de um monstro horripilante, uma mistura de aracnídeo com óculos de sol, com dinossauro, com a capilaridade farta do Tony Ramos.
Quem foi o pedagogo que teve a ideia de colocar uma ilustração daquelas num livro infantil? Se a intenção era alarmar para os perigos das bactérias, conseguiram.
Talvez pelo interesse nesse mundo horripilante, acabei ficando atento aos perigos ocultos desses monstros invisíveis.
Se visse alguém espirrando prendia a respiração e fugia o mais rápido que pudesse do ambiente.
Comer qualquer coisa que caiu no chão? Nem lavando com creolina.
Em banheiro público eu não encostava em nada e ao sair tentava abrir a porta com os pés ou com a mão totalmente enrolada em toalhas de papel. Sabe-se lá Deus quantos bilhões de bactérias não vivem numa orgia microbiológica de Nitrospiras e Deinococcus naquela Disneylândia de seres bizarros?
-Estou doido por aquela espiroqueta, disse o strepitoccoco.
-Deixa de ser Bacilão e chega junto, assim você parece um plasma, disse o Vibrião.
Minha grande sorte é que não havia Google nem YouTube naquela época, para que eu não descobrisse dados ainda mais alarmantes desses seres que nos rodeiam (e, descobri horrorizado depois, nos preenchem). São trilhões e trilhões desses monstros que habitavam todos os lugares possíveis e inimagináveis. As bactérias são os seres mais antigos ainda vivos, e sobrevivem em todos os cantos, do gelo penetrante das grandes altitudes até o calor infernal dos subterrâneos da Terra.
Mas com o tempo descobri que as bactérias (e às vezes os fungos) também são úteis. Ajudam em processos de fermentação de alimentos e bebidas: vinhos, vinagres, queijos, iogurtes, chucrutes e azeitonas.
Sabe de onde se origina aquele sabor acentuado (e a cor azulada) do delicioso queijo gorgonzola? Bem, deixa pra lá.
As bactérias também são úteis na indústria farmacêutica, para a produção de hormônios ou de insulina.
Todas essas vantagens ajudaram um pouco na desmistificação do horror infantil que eu nutria por elas, mas devo admitir que foi apenas na adolescência que uma outra informação foi decisiva para que eu desencanasse completamente desses monstros pre históricos que habitavam minha cabeça de criança.
Li numa reportagem que um beijo na boca de até dez segundos pode transmitir uma quantidade de até oitenta milhões de bactérias entre os parceiros.
A adolescência, ah!, a adolescência !
Nunca mais liguei para bactérias. Afinal de contas, que diferença farão alguns milhões a mais ou a menos desses seres microscópicos dentro da gente?