Ela deslizava silenciosa pelo granito frio feito alma penada de manto negro, levitando acima das concretudes de todos os mortais.
Não sei se era baixa ou alta, gorda ou magra, ela estava acima de qualquer convenção.
Não se encaixava em moldes ou padrões. Seu principal traço distintivo era a impossibilidade de antever qualquer traço distintivo. E nisso residia seu mistério e poder. Ao não se mostrar, se abria para o infinito das projeções. A sedução da oclusão.
Seria Lathifa, Khadija ou Astma?
Qual sua voz? Como seria seu corpo, o que pensaria?
No meio de tanta informação obliterada, apenas uma certeza, uma pequena fresta aberta para a imensidão da alma. Um par de olhos negros, vivos como quem procura devorar com a Íris o que todo o resto esconde. Olhos famintos em d’água no meio do deserto.
Olhos que choviam histórias.
Olhos que cantavam cânticos.
Olhos que choravam cântaros.
Olhos que ditavam regras.
Olhos que hipnotizavam.
Olhos curiosos, amedrontados, serenos, decididos, duros.
Apenas um par de faróis a iluminar o imenso bosque escuro.
Olhos que escancaravam o que os panos em vão escondiam.
Olhos que jogavam tranças como uma Rapunzel gemendo um socorro lânguido e silencioso.
Através daqueles olhos despi sua alma e penetrei seus pensamentos.
Mas levitando como surgiu, levitando se foi, no meio daquele exército de fantasmas de manto negro no corredor sem fim daquele saguão indistinto, feito fábula das mil e uma noites.
Restou apenas aquele olhar, ensurdecedor em seu silêncio, devastador em sua distância.
Apenas um par de olhos a preencher a imensidão do deserto.
Apenas um par de olhos.