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A vila

A velha praça ainda está lá, debaixo das mesmas sombras das mesmas mangueiras que resistem inabaláveis ao bombardeiro incansável do sol de todos os dias. Sumiram o chafariz, os velhos bancos de concreto e as crianças que corriam, pulavam e esfolavam os joelhos na sofreguidão desabalada das noites de domingo. A praça agora é residência oficial de seres soturnos, zumbis que vagam queimando a vida em cachimbos fedorentos.

A rua é a mesma, como indica a velha placa metálica na esquina, heroína que venceu o tempo e a ferrugem e continua a indicar garbosa o nome de seu patrono fundador.

As casas são quase todas as mesmas: a mesma fachada mal traçada, o mesmo reboque mal acabado de antes, a mesma demão de tinta vencida pelo coquetel de chuva, sol, vento e fumaça de óleo diesel.

O desmoronamento decadente e impiedoso das memórias de uma cidade.

A padaria agora é uma casa decrépita cujas ruínas são apenas o esboço do que um dia foi o ponto de encontro do bairro.

A escola da infância ainda está lá, mas agora desfigurada. O portão de entrada com vista para o longo pátio onde brincava nos recreios da segunda série agora obliterado por um muro de fazer inveja à Berlin Oriental, um caixote de concreto horroroso na vã tentativa de isolar a pequena ilha que lentamente submerge engolida pelo dragão faminto da realidade.

Camelôs, mendigos e batedores de carteira disputam espaço com a multidão que perde a vida na ilusão de ganhar a vida.

Ruas tortas, seres trôpegos, comerciantes de almas, crianças desnutridas, senhoras obesas, rio poluído e calçadas com lodo compõem o desconcertante mosaico daquilo que um dia já foi o seu berço.

No final da longa avenida, ela, a Vila, depósito último de seus sonhos incumpridos e de suas desmemórias. Palco de uma infância breve, tumultuada e Feliz, até onde as traiçoeiras gavetas da memória permitem acessar.

Não há mais vila, não há mais nada, tudo foi derrubado pra dar lugar a um conjunto desarticulado de lojas e quitinetes desajeitadas e malacabadas.

Não há mais o longo corredor multiuso que um dia já foi campo de futebol, pista de corrida, auditório para filosofia infantil e pista de corrida de carrinhos. Não há mais pedra, nem chão, nem calçada, nem lodo, nem pó para testemunhar o funeral de todas as suas memórias, fiapos teimosos que o conectavam às suas mais profundas raízes.

Agora está tudo sepultado, ali, no mesmo local de sempre, debaixo de pedra, poeira, tristeza, decadência, lodo e pó.

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