– Eu compro a revista por causa das reportagens!
Volta e meia alguém fazia cara de erudito e me vinha com essa conversa fiada, que achava de uma cretinice injustificável.
Pra mim, as 80 páginas de reportagens eram apenas um jeito dispendioso de rechear as 20 que realmente interessavam. Pouco texto e muita foto. Pena que não eram em braile ou em 3D.
O fato é que a revista foi um ícone pra minha geração e possivelmente para muitas outras também, já que a publicação tem mais de 60 anos.
Não lembro muito bem a primeira que caiu em minhas em mãos, mas até onde a memória turva permite tatear suponho que tenha sido bisbilhotando a de algum primo, logo confiscada. Percebi que grandes tesouros estavam ali escondidos.
Mas eis que agora a Playboy anunciou que deixará de publicar mulheres nuas, ou completamente nuas. Alegam (com razão) que a internet deixou a nudez (e tudo o que dela deriva) tão acessível e banal que publicar fotos do gênero perdeu todo o sentido.
Faz sentido. A nudez ficou banalizada. As pessoas enviam nudes como quem envia cartões postais da Unicef no final do ano. Sexy agora é imaginar o que não vemos.
Como o desejo erótico é desencadeado por aquilo que desejamos mas não temos (ou não vemos), parece fazer mais sentido o erotismo de alguém vestido (com tudo o que isso desperta na imaginação) do que o escancaramento de uma nudez previsível e muitas vezes vulgar.
Lembro que, além das fotos de Marilyn Monroe, Vera Fischer, Feiticeira, Madonna e Sharon Stone, a Playboy já desnudou as ideias revolucionárias e polêmicas de Martin Luther King, Yoko Ono, Stanley Kubrick, Bete Davis, Steve Jobs e Ayn Rand.
Admiti toda a minha cretinice juvenil. Tinha realmente muito neurônio nas páginas ignoradas pela bruta força dos meus hormônios.
Tardiamente, cheguei a conclusão de que em tempos de nudez abundante, erótico mesmo é ser inteligente. Nada pode ser tão excitante quanto um espírito despido e uma mente aberta.
E viva as grandes reportagens!