Cidades são como pessoas. Pelo menos é assim que para mim se apresentam. Umas são sisudas, outras liberais. Algumas inspiram, outras sufocam. Algumas são como adolescentes, contraditórias, rebeldes, confusas e criativas. Outras sóbrias, elegantes em suas bem traçadas e vetustas linhas.
Mas fico com a sensação de que as cidades cada dia mais se parecem umas com as outras. Talvez seja a globalização. Talvez seja a proliferação de McDonald’s, Starbucks e Casas Bahia pelas esquinas do mundo. Talvez seja a cultura do conforto e do consumo seguro, que desviou o pulso da vida das ruas para o interior dos shopping centers, indiferenciados em sua bem sucedida mistura de granito, ar condicionado e comida de borracha.
Não espanta que o McDonald’s tenha enfrentado tanta resistência em sua operação italiana, desde que abriu sua primeira unidade no país da bota em meados dos anos 80. Pouco tempo depois os italianos lançaram o movimento culinário apelidado de slow food, numa evidente oposição ao padrão imposto pela famosa rede dos arcos dourados.
Recentemente, a rede americana sofreu uma enxurrada de críticas inflamadas, após firmarem parceria com a lendária fábrica de massas Barilla, num movimento que muitos consideraram uma injustificada e nefasta apropriação do milenar legado culinário italiano. Venderam a pasta ao diabo.
Em Paris, o Tour Montparnasse, inaugurado em 1972, e até uns anos atrás o maior prédio da cidade-luz, costuma ocupar o nada lisonjeiro posto de edifício mais feio da cidade, segundo seus moradores. Uma jóia da arquitetura neo-feia atrapalhando com seu gigantismo o esplendor da velha e encantadora Paris. Os parisienses dizem que a maior vantagem de subir no observatório do prédio é que essa é a única forma do monstrengo sumir da paisagem da cidade. Volta e meia alguém organiza algum abaixo assinado para implodir o intruso de 56 andares.
É por isso que eu admiro as cidades de Personalidade. Assim mesmo leitor, com P maiúsculo. Cidades que se permitem a ousadia de serem a si mesmas, com seu inigualável amálgama de encantos e defeitos. Sim, isso mesmo, defeitos. Porque nada pode ser mais insuportável do que a ausência de defeitos. São os defeitos que nos conferem traços característicos, nossa personalidade única, o que nos faz reconhecíveis.
A gente vive sonhando viver em paisagens idílicas. Uma dolce cabana numa praia deserta numa ilha qualquer do Caribe ou uma casinha romântica no alto de uma montanha com picos de neve eterna, vaquinhas pastando na relva verde, um rio que corre seu curso silencioso e flores multicoloridas a enfeitar o jardim. Lindo de morrer. De morrer. Vale para as férias ou para um mês de retiro. Quem sabe para um ano sabático, para repensar a vida ou escrever um livro. Mas não pra passar todos os nossos dias. Somos seres impacientes. Vamos nos acostumando com a beleza e logo ela já não nos parece tão linda assim.
Moro numa cidade emoldurada por uma montanha absurdamente bela, mas ninguém dá mais bola. Estamos tão acostumados ao belo, que belo não mais nos parece.
A perfeição depois de um tempo vira tédio. Deve ser por isso que a taxa de suicídios no Canadá e na Noruega (países campeões de qualidade de vida) é o dobro da brasileira. Pode ser que seja uma decorrência do frio, mais do que da perfeição. Mas a perfeição é assim, fria, gelada. Imperfeição é quente, sanguínea, carnívora, visceral.
Tenho uma amiga que namorou um cara “perfeito”. Inteligente, responsável, bem sucedido, elegante, culto e politicamente correto. Claro que a relação não durou quase nada.
– Mas por que você terminou o namoro?
– Ele era insuportavelmente perfeito. Todo certinho. Um saco! Mais uma semana e eu me matava.
Na semana seguinte engatou namoro com outro cara, estilo cafajeste. Terminou também. Se a um faltavam defeitos, a este transbordavam. Mas jura ter recordações melhores do segundo.
Uma vez indiquei a cidade de Porto a uma conhecida em viagem à Europa. Voltou decepcionada com a minha indicação.
– Uma cidade velha, com prédios caindo aos pedaços, um monte de ladeiras e ruas que parecem labirintos medievais… por que você gosta tanto da cidade?
– Gosto porque é uma cidade antiga, com prédios caindo aos pedaços, um monte de ladeiras e ruas que parecem labirintos medievais. – respondi.
Gosto também porque tem bacalhau de primeira, vinho do Porto, a moderníssima Casa da Música, o Rio Douro, mas nem perdi meu tempo explicando.
Eu gosto das cidades que têm alma, personalidade, como Porto, Paris, Paraty, Manaus, Salvador e Rio de Janeiro.
Ah, o Rio de Janeiro. Difícil imaginar uma cidade tão deslumbrante e com tantos problemas. Só de pensar em visitar o Rio meu coração se ilumina. Purgatório da beleza e do caos. Seus calçadões sopram mais do que maresia, assobiam poesia. Dá para imaginar a bossa nova sendo inventada em outro lugar?
Tinha que ser no Rio, capital do sangue quente, do melhor e do pior do Brasil, com seus encantos e desencantos, como bem imortalizou o boêmio poeta: ah, mas se tudo é tão triste, a beleza existe…