Há bolas de todos os tipos.
As mais sofisticadas são as de couro, finamente costuradas em simétricos gomos pentagonais e estilizadas com figuras ejetadas das mais criativas cacholas dos mais renomados designers.
Antigamente não tinha esse desfile gráfico pelos gramados, bola era bola, os gomos eram todos iguais, brancos (que logo virariam uma coisa encardida oscilando entre o bege e o marrom) ou depois uma composição simples e elegante de gomos brancos e pretos alternados (que nasceram em 1970 justamente para que os telespectadores pudessem discernir melhor a pelota em seus pequenos e caros televisores preto e branco de 14 polegadas). Eram as bolas que rolavam nervosas nos pés dos Pelés, Garrinchas e das gerações que os antecederam, antes que as bolas virassem uma entidade de luxo e recebessem nomes como Jabulani, Brazuca ou Telstar 18, utilizada na Copa da Rússia e que segundo sua fabricante, Adidas, seria uma releitura da bola que deslizou nos gramados das Copas de 1970 e 1974.
Para ser fiel aos fatos, algumas outras bolas já tinham sido batizadas também, sobretudo a partir da Copa de 1978, a pelota Tango, em homenagem ao país sede daquela competição, a Argentina, razão pela qual eu relutei em trazer esse exemplo à tona.
Mas quase sempre as melhores bolas são acessíveis apenas para os mais afortunados pés, os que possuem pé de meia, e não para aqueles que jogam descalços nos desgramados da vida.
Na segunda divisão dos campeonatos da vida temos bolas de couro ecológico (uma maneira moderna e politicamente correta de nominar um couro que não é couro) que para a grande maioria dos campeonatos inclassificáveis que acontecem no país, aqueles da série Z, onde a lama impera no lugar da grama, ainda é um tremendo luxo. E temos as bolas de plástico vagabundo que as crianças ganham em aniversários e 12’s de outubro e que encontrarão a morte súbita no primeiro encontro com um objeto pontiagudo ou com o primeiro pontapé mais selvagem.
Mas os melhores campeonatos não são esses. São os disputados com outras bolas. Bolas que desafiam a geometria das esferas. Bolas que transcendem materiais, formas, tamanhos ou cores. Bolas que não são bolas, mas que desfilam nos melhores e mais importantes campeonatos, arenas onde a verdadeira paixão pelo futebol pulsa incandescente.
Campeonatos onde a bola é uma tampinha verde de tubaína barata, uma lata amassada de cerveja vagabunda ou um pedaço de pedra. Mas não qualquer pedaço de pedra, tem que ser uma caprichosamente escolhida, nem tão pequena que não possa ser chutada nem tão grande que não possa ser chutada. Preferencialmente que não tenha cantos vivos, porque o goleiro é parça e não inimigo.
E são nessas arenas improváveis que se desenrolam as batalhas mais épicas. Onde as linhas imaginárias delimitam o espaço dos sonhos e um par surrado de Havaianas demarca as traves que o guardião do gol protege. Goleiro que quando o petardo parece indefensável não se furta a furtar as havaianas que fingem ser trave para vesti-las como se fossem luvas. É verdade, não são luvas de couro bem cortado como as dos melhores goleiros. Às favas com as luvas bem cortadas e com os melhores goleiros.
O campeonato da vida é jogado assim, no sangue, na raça, no pontapé, na canela roxa, na lama. Nos busos lotados que zagueiam pelas perifas encardidas de pó e canseira e nas ladeiras íngremes teimosas que separam o ir do chegar nosso de cada dia.
A vida é uma bola.
Alexandre Correa é professor da FGV, escritor e palestrante corporativo. Ele está no YouTube, no Facebook, no Linkedin, no Instagram, no SPC e no Serasa. E não está no Tinder porque sua mulher não deixa.