Se as meninas do Leblon não olham mais pra mim
E volta e meia eu entro com meu carro pela contramão…
Bom, como as meninas do Leblon nunca olharam mesmo pra mim, não vai fazer muita diferença, mas confesso que foi um marco na minha vida.
Após uns cinco anos empurrando sistematicamente o livro um pouco mais longe, antes que começasse a usar pau de selfie pra ler, resolvi fazer a visita fatídica ao oftalmo. Saí daquele cubículo branco com uma receita de óculos de 1,75 graus para leitura.
Parece um rito de passagem. Ter que ir numa ótica com uma receita. Você experimenta dezenas de modelos, se olha no espelho e nada funciona, é como se aquele objeto estranho pendurado por orelhas e nariz não pertencesse ao seu rosto.
Mas é isso ou não enxergar mais um palmo à frente do nariz, então você não desiste. Como nada parece bom, você vê um cartaz com um modelo com óculos estiloso na vitrine e pede o mesmo, afinal o conjunto estava muito bacana. Fica pior ainda. Estava perfeito naquele cartaz, mas a diferença não está nos óculos, mas no conjunto da foto. Um modelo alto, forte, com uma jaqueta linda de morrer, olhando para o infinito com cara blasé e com umas ondas espumantes quebrando sobre rochas num céu azul com raios de luz levemente amarelados. Se numa próxima encarnação eu nascer bonito como aquele modelo, e um dia for passear numa praia rochosa do Mediterrâneo, juro que compro os mesmos óculos.
E os preços desses óculos? Como nunca ninguém iniciou um levante contra esse desplante? Alguns custavam mais caro do que um fusca velho. Que armação é essa que eles fazem pra custar tão caro? Só porque tenho hipermetropia tenho que pagar um preço hiper caro? Ainda consigo enxergar bem o preço das coisas, aliás, esses preços gigantes até cego enxerga.
Encerrei as lamúrias que Inês é morta e comprei o que pareceu menos estranho.
Dois dias depois chegou o bichinho, num estojo verde. Abri com uma certa alegria de criança (deve ser a senilidade chegando sorrateira), coloquei no rosto com algum estranhamento e li um artigo de revista com ele. Ah, que coisa divinal! Era como se subitamente tivesse adquirido poderes mágicos. Via as pequenas fibras irregulares que compunham o papel couchê, o discreto descasamento crômico de algumas fotos, parecia até que eu sentia o cheiro das cores. Como pude ficar tanto tempo sem usar óculos?
Tirei os óculos e é como se todo o mundo tivesse ficado turvo, não conseguia enxergar um palmo a frente do nariz (mesmo considerando que meu nariz não ajuda muito na tarefa). Como é que eu pude ler todos esses anos desse jeito? Eu era um quase cego e não sabia. O pior cego é aquele que insiste em enxergar, concluí, e guardei orgulhosamente meus olhos reservas no elegante estojo verde, que custou os olhos da cara.