Tiradentes. O tempo parou para você passar

TIRADENTES                Em poucos lugares do Brasil você conseguirá ter uma sensação tão grande de que o tempo parou, no melhor sentido que a expressão possa carregar, quanto em Tiradentes.

Pra falar a verdade, sempre me incomodei com aquelas cidades (turísticas, ou com pretensão a tanto), onde uma igreja do século XVIII convive ao lado de uma rede de eletrodomésticos famosa, anunciando estridentemente TV’s de LCD em 115 prestações fixas, ou então um museu centenário sobrevive ao lado de uma choperia onde o pagode come solto, ou um casarão histórico ao lado de um banco comercial e seus vidros de blindex verdes de gosto duvidoso. Nada contra bancos, choperias, vidros verdes nem ofertas do varejo. Apenas acho que algumas cidades se transformaram numa massa indissociada de prédios comerciais, cimento e asfalto, sufocando algumas de suas raízes históricas. O Brasil demonstra, como bem sabemos, pouco apreço pelo seu patrimônio histórico, e o apelo comercial sempre acaba atropelando qualquer romantismo preservacionista.

Mas Tiradentes ainda possui um núcleo central bastante preservado e fiel aos contornos originais. Seu bem conservado centro histórico, suas sinuosas ruas de pedra, seu casario colonial e suas igrejas tricentenárias nos fazem recordar uma época remota. Uma verdadeira viagem no tempo.

Com um pouco de concentração você é capaz de visualizar negras escravas, de pernas grossas e panos coloridos, graciosamente a subir pelo lado esquerdo da Rua Direita, cavalos trotando no Largo das Forras, algumas beatas saindo da igreja matriz de Santo Antônio e um cheiro de pão de queijo no ar. Aliás, sua imaginação terá mais motivos para voar se tiver provado uma das muitas cachaças artesanais que são vendidas nessa graciosa cidade mineira.

Tiradentes nasceu sob o nome de Arraial de Santo Antônio em 1702, e experimentou seu tempo áureo (com o perdão pelo trocadilho involuntário) a partir da descoberta de ouro na Serra de São José, período que durou com maior intensidade na primeira metade do século  XVIII, e que tornou possível o aparecimento de algumas jóias da arte barroca brasileira, dentre as quais a já citada Igreja Matriz de Santo Antônio, de 1710, com quase meia tonelada de ouro ornamentando o seu exagerado interior, o que a coloca como a segunda mais rica do país, logo atrás da Igreja de São Francisco, localizada em Salvador, Bahia, líder no ranking de riqueza dourada.

O ciclo do ouro em Tiradentes durou pouco mais de meio século e foi tão intenso que permitiu que até mesmo os escravos tivessem sua própria igreja, igualmente ornamentada com ouro, que estes levavam escondidos em suas unhas e cabelos.

A cidade possui ainda incontáveis monumentos históricos, como a Capela da Santíssima Trindade, a antiga Cadeia Pública (desativada, já que a pacata Tiradentes praticamente desconhece a ocorrência de crimes de maior gravidade), o Museu Padre Toledo (onde foram realizadas muitas das reuniões que antecederam a Inconfidência Mineira), o Largo das Forras (que como o nome sugere, era o local onde os escravos comemoravam sua liberdade – chamada de Alforria), e uma infinidade de anônimos, mas não menos belos, casarios coloniais.

Conta ainda com um belo chafariz, construído em 1749, e por muitos considerados um dos mais belos do país (em que pese eu achar que tem um pouco de exagero nessa eleição). São 3 fontes, e reza a lenda que cada uma delas serve a um propósito: rejuvenescer, enriquecer e casar. Como não existem restrições, a maioria das pessoas se farta nas 3. Eu, que não sou bobo, preferi as 2 primeiras.

Tudo isso emoldurado pela bela e quase onipresente Serra de São José, onde você pode se aventurar em trilhas na mata e banhos (gelados) de cachoeira.

Tiradentes e suas ruas de pedra

Tiradentes e suas ruas de pedra

Tiradentes vive basicamente da atividade turística, que cresce ano após ano. Mas nem sempre foi assim. Com o esgotamento de suas reservas de ouro, a cidade viveu um longo período de ostracismo e estagnação, que possivelmente permitiu que se mantivesse pequena e fiel às suas raízes coloniais, tendo hoje ao redor de 6.000 habitantes. Vale notar que a vizinha e contemporânea São João Del Rei já possui mais de 200.000 habitantes, e apesar de ainda conservar belos casarões e igrejas de inegável valor histórico, não conseguiu neutralizar tão bem quanto Tiradentes a influência da vida moderna no seu núcleo central.

A primeira tentativa de capitalizar o potencial histórico e turístico de Tiradentes se deu em 1889, quando o governo republicano rebatizou a então Vila de São José Del Rei como Tiradentes, em homenagem ao mártir da Inconfidência. Mas nem mesmo o tombamento do centro histórico do município, ocorrido em 1939, conseguiu acelerar o desenvolvimento turístico, movimento que só tomou corpo a partir da década de 70, com a adoção da cidade como cenário de filmes, novelas e minisséries globais, dando maior visibilidade para o município, e atraindo um fluxo constante de descolados para a cidade, tanto o é que apesar de seu diminuto tamanho, Tiradentes abriga hoje bons hotéis, restaurantes estrelados (alguns dos melhores de Minas Gerais estão lá) e um calendário de eventos consagrados, como a Mostra de Cinema, a Semana de Cultura e Gastronomia, o encontro de motoqueiros, a Semana Santa e o Carnaval.

Apesar do agito e badalação que acompanham esses eventos, eu particularmente acho que eles podem “matar” um pouco da alma colonial da cidade, já que suas estreitas ladeiras de pedra passam a ser disputadas por centenas de carros. Fica difícil transitar a pé por algumas ruas, e o último hit do Luan Santana, que escapa em elevado volume de algum bar, pode dificultar a “viagem ao passado” que falamos anteriormente. Se isso acontecer, relaxe, tome mais uns goles de uma pinga mineira envelhecida em tonéis de carvalho, e programe um retorno à cidade.

À parte o excesso de turistas e carros que afluem em tempos de eventos, a cidade consegue conjugar muito bem seu respeito ao passado com alguma vanguarda e confortos contemporâneos.

Hotéis finamente decorados com mobiliário colonial, mas que incorporam confortos como TV’s de LCD com canais a cabo (ok,  eu admito que tenho o abominável hábito de querer me manter informado sobre os últimos acontecimentos, mesmo em cidades que inspiram uma volta ao passado). Outro exemplo é na cena gastronômica local, que oferece desde a mais pura cozinha regional (como o frango com quiabo e arroz ora-pro-nóbis), sucos de couve com abacaxi, até experimentações fusion, como a cozinha do restaurante Tragaluz (experimente sua famosa goiabada frita com castanha de caju, queijo catupiry e sorvete). E mesmo não sendo consumista, devo admitir que a cidade oferece uma vasta gama de opções, principalmente artesanato, peças de estanho e mobiliário antigo.

A propósito, foi fazendo compras no interior de uma loja que eu ouvi a proprietária falar para uma cliente:

– Volta aqui depois pra gente trocar um ‘dedin’ de prosa…

A implausível e caricata frase só poderia mesmo ter sido ouvida em Minas Gerais. Carlos Drummond de Andrade, poeta do melhor calibre, e não por acaso mineiro, já decantou, em prosa e verso, o encanto do sotaque da mulher mineira, dizendo que elas falavam num ritmo tão doce e suave que seria capaz de assinar papel em branco doando todos os seus bens. E ainda agradecer de tê-lo feito. Isso é um pouco do jeito mineiro de ser.

Aliás, há quem jure que Minas Gerais não é um Estado diferente, é quase um planeta autônomo. Exageros à parte (e nem de longe estaremos falando dos ET’s de Varginha), as cidades mineiras têm mesmo seu encanto e personalidade própria. E Tiradentes tem muito desse jeito mineiro de ser. Mesmo tendo incorporado a cozinha internacional no seu menu de restaurantes, continua pródiga nos seus queijos, doces, couves e angus.

Assim é Tiradentes: linda, rica e conservada como poucas, mas com a indefectível e acolhedora alma mineira.

Eu se fosse você ficaria um “cadin” das suas férias lá, uai…

Comentários no Facebook