Sigmund Google

Confesso que ainda preservo, com algum orgulho, um desses antiquados espécimes: um tolete de quase 5 quilos e mais de 2000 páginas. Um exemplar última geração de 10 anos atrás do Novíssimo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, que consulto cada vez menos e não por suficiência vernacular, como meus leitores hão de notar pelas entrelinhas cheias de garbo e ocas de todo o mais.

Durante muito tempo o “Aurélio”, como era conhecido na intimidade das multidões, foi chamado de “Pai dos Burros”, por oferecer a definição que nos faltava a todo e qualquer vocábulo da língua portuguesa.

Mas os tempos mudaram e as telinhas engoliram quase tudo que é de papel. Ninguém mais procura fornecedor nas páginas amarelas, amigos nas listas telefônicas, conceitos em enciclopédias ou palavras em dicionários. Agora pra tudo se dá um Google.

Tenho ouvido cada vez mais um tal de “consultei no Dr. Google”.

Consultar, aliás, parece um termo bastante apropriado. Muitos médicos têm reclamado que os pacientes chegam ao consultório com um o diagnóstico pronto. Já digitaram no Google o significado dos sintomas, já sabem qual o percentual de êxito das cirurgias e já leram teses de mestrado sobre casos similares. Mesmo assim vão ao médico, porque querem uma segunda opinião médica. A primeira opinião é a do Dr. Google, claro.

Uma vez fiz uma ressonância no joelho e não resisti à tentação de digitar no Google (antes de levar o resultado ao médico) os termos ininteligíveis do laudo preliminar. Ao invés dos cenários catastróficos que já me amputava, digo imputava, saí de lá com a missão de fazer repouso e três sessões diárias de aplicação de gelo. Se não funcionasse, algumas sessões de fisioterapia.

Todo mundo pesquisa tudo no Google. Uma vez eu li (pesquisando no Google) que é possível até mesmo prever a ocorrência de epidemias em determinadas regiões do mundo apenas pela análise regional dos termos mais buscados pelos internautas. Quando muita gente ao mesmo tempo pesquisa sobre determinada doença ou conjunto de sintomas, é porque tem alguma epidemia a caminho.

Hoje em dia, quase qualquer coisa que façamos é antecedida por alguma pesquisa virtual, da receita do jantar à busca do tênis de corrida ideal. E o Dr. Google vem tentando expandir seu raio de alcance. Estudos revelam que pessoas com pensamentos suicidas dão pistas dessa propensão através de suas buscas na internet, e nesses casos o Google (assim como o Facebook) têm criado mecanismos ativos de intervir para que o usuário busque ajuda para seus problemas.

Recentemente, li uma matéria (curiosamente num jornal impresso) de que o Google agora vai dar conselhos psicológicos para os internautas, a partir de suas pesquisas e termos de buscas. Ninguém segura mais o Dr. Google.

Tem coisas que nem Freud explica. Mas para todas as outras coisas, sempre existe o Dr. Google.

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