Os infortúnios da beleza

espelho-espelho-meuBeleza é fundamental, já disse uma vez o poeta, numa frase longe de ser a mais bela de sua safra.

Todo mundo quer ser bonito, desejado e admirado. E com o avanço da tecnologia e da medicina cada vez mais gente faz cada vez mais loucuras para parecer bonito.

Tive uma amiga que fez tanta intervenção plástica que quando um guarda parou-a na estrada quase apreendeu o carro, porque não acreditava que ela era ela mesma. Afinou o nariz, pintou e alisou o cabelo, colocou lentes azuis e emagreceu até ficar parecida com uma boneca Barbie. Acho que nem a própria mãe a reconheceria.

Na maioria dos casos a beleza física é um atributo mais alinhado com a sorte do que com a competência. A loteria da vida mistura no liquidificador zilhões de genes de seus pais até chegar a uma combinação de 23 pares de cromossomos pra fazer de você esse ser único, lindo, feio, esquisito ou indiferenciadamente comum, seja lá o que isso for.

Mas ao contrário do que pensa a vã sabedoria, ser realmente bonito traz muitos inconvenientes.

O mais óbvio deles é o excesso de assédio. Pessoas bonitas são assediadas com uma frequência irritantemente grande, e embora isso possa parecer legal num primeiro momento, logo se torna algo desconfortável e invasivo. E o pior, qualquer gesto de simpatia que você emita pode ser logo interpretado como um sinal verde para algo mais sério, e logo você estará tendo que se defender do interlocutor. É por isso que tanta gente bonita tem fama de metida. Talvez seja uma forma de se proteger preventivamente do assédio indevido.

Existe também o efeito oposto. Muitas pessoas se sentem intimidadas ante um potencial parceiro bonito, e sequer o abordam, por achá-los inacessíveis. A beleza fascina, mas às vezes espanta também.

Durante a juventude, ser bonito demais pode inclusive acabar com amizades. Seus amigos não querem ser ofuscados pelo seu poder incomparável de atração, nem competir numa guerra de antemão perdida.

Isso pra não falar das dúvidas sobre a própria competência:

– Será que essa pessoa está comigo pelo conjunto completo que eu represento, inclusive minhas ideias, meu estilo e meu caráter ou apenas pela carcaça impecável com a qual a natureza me vestiu?

– Fui escolhida para a vaga apenas pelo meu currículo ou será que o recrutador se deixou seduzir pelo meu sorriso de deusa?

Deve ser por isso que inventam piadas maldosas a respeito de pessoas lindas e burras, como se inteligência e beleza não pudessem coexistir no mesmo invólucro.

Há ainda as visões distorcidas da realidade. Pessoas muito destacadas em algum campo em particular (muito ricas ou muito lindas, por exemplo), enfrentam problemas como qualquer ser humano, mas as pessoas parecem acreditar que por serem portadoras de algum privilégio especial não enfrentam os mesmos desafios que seus pares. E daí pode derivar um sentimento velado, mas muito traiçoeiro, que os alemães chamam de Schadenfreude, aquele prazer silencioso que às vezes experimentamos quando alguém muito poderoso ou privilegiado se dá mal. Uma espécie de deleite com a desgraça alheia, principalmente quando esse alheio é alguém particularmente rico, poderoso ou translumbrante. Uma variante mais perversa da inveja.

Envelhecer é também um processo muito mais penoso para quem é bonito, por serem pessoas que têm mais a perder. Dizem inclusive que os mais feios se embelezam com o passar dos anos. Estou no aguardo.

É por isso que todos os dias agradeço ter nascido feio e não ter que aguentar nenhum desses infortúnios dos verdadeiramente belos.

Desses males jamais sofrerei.

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